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Artigo: Nada é dito sobre o calote dos precatórios

Brasília, 14/04/2009 - O artigo "Nada é dito sobre o calote dos precatórios" é de autoria do presidente da Comissão Nacional de Legislação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coêlho, e foi publicado na edição de hoje (14) do Jornal do Brasil.
"O denominado II Pacto Republicano de Estado tende a não ultrapassar a intenção de tornar o Judiciário acessível e efetivo, quando não enfrenta o principal problema de descrédito do Poder, que é a falta de cumprimento de suas decisões, principalmente quando se trata de cobrar direitos contra o poder público. A omissão é eloqüente, o tal pacto nada diz sobre o grave problema do pagamento dos precatórios judiciais, que eterniza a quitação de débitos da fazenda pública.

Os signatários da iniciativa, presidentes da República, do STF, do Senado e da Câmara, anunciam um pacote de medidas ditas prioritárias para tornar a Justiça mais acessível, ágil e efetiva. Pouco adianta tais belas palavras quando não são concretizadas em medidas reais que garantam o cumprimento das decisões judiciais. Emblemática, nesse sentido, é a proposta de emenda constitucional número 12, aprovada pela CCJ do Senado, pendente de votação na Câmara dos Deputados, que apresenta o calote como resposta aos milhares de credores do poder público, especialmente de Estados e Municípios.

Até mesmo o I Pacto, firmado há cinco anos, ressaltou a relevância do tema, quando anunciou "o grave quadro de determinações judiciais que não são cumpridas há anos, descredibilizando a Justiça, desesperando vítimas do Estado e prejudicando o trabalho dos advogados". À época, fez-se a promessa de realização de "debates e audiências de conciliação visando à construção de modelos institucionais e à adoção de providências que resultem na superação da anomalia enfocada". A PEC do calote não é uma resposta satisfatória a essa verbalizada preocupação.

O II Pacto sequer trata do assunto. Não é lícito pregar um Judiciário acessível e efetivo quando suas decisões não são cumpridas. Os precatórios são constituídos após o julgamento de um processo nas várias instâncias judiciais, esgotados todos os recursos. Pensionistas, aposentados, servidores públicos, empresas, enfim, os lesados pelo Estado, após a tramitação do processo, ganham apenas o direito de esperar a interminável fila dos precatórios. Com a PEC 12, até mesmo esse direito desaparecerá, porque a fila simplesmente não andará. Os credores terão que se submeter a um leilão de seus direitos, com um só comprador, que é o próprio Estado devedor.

O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, ao passo em que considera positivo o anúncio de uma preocupação com o Judiciário efetivo, ressalta que "o cidadão comum é obrigado a cumprir as decisões judiciais, mas o Estado delas zomba. Caso a PEC 12/06 seja aprovada, isso significará que a Justiça não chegará mais para aquele cidadão que demanda contra o Estado". Efetivamente, o Estado não pode assinar um compromisso para os outros se ele não se compromete, também, a cumprir.

O sistema brasileiro de pagamento das decisões judiciais, quando o abuso é cometido por Estados e municípios, é uma vergonha nacional. O Espírito Santo, por exemplo, levará 140 anos para quitar os seus débitos, enquanto outros Estados podem levar de 40 a 70 anos. A correção desse rumo é tarefa que deve fazer parte de um pacto que realmente torne a justiça efetiva.

O Pacto possui a louvável iniciativa de cuidar do ser humano como o centro gravitacional de proteção do Estado. É elogiável a proposta de nova Lei da Ação Civil Pública, que institua um Sistema Único Coletivo que disciplina ações para a tutela de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais. A intenção é racionalizar o processo e o julgamento dos conflitos de massa, como a discussão em torno da tarifa básica de telefonia fixa. No que tange a cobrança da dívida ativa, os novos métodos de cobrança fiscal, com objetivo de reduzir o ingresso de ações em juízo, necessita ser bem avaliada, para evitar o excesso de poder em mãos do Executivo. Não é admissível voltar a uma época medieval quando o próprio credor cobrava a sua dívida.

As mudanças legislativas propostas são necessárias, desde que amplamente discutidas e amadurecidas no parlamento, mas não são suficientes. Dois terços das demandas nos tribunais superiores envolvem o poder público, contudo essa gama de consumidores do poder Judiciário não possuem a devida atenção por parte do aludido Pacto.

Urge o fortalecimento da Defensoria Pública e dos mecanismos destinados a garantir assistência jurídica integral à população de baixa renda. A advocacia não se recusa em cumprir a sua função social, muito ao contrário. É necessário verificar, porém, que a Constituição Federal instituiu a defensoria pública e essa norma constitucional necessita ser cumprida.

A redução dos recursos judiciais é sempre apresentada como a medida salvadora de todas as iniciativas. Mas o Pacto nada diz sobre a obrigatoriedade, hoje existente, de recursos judiciais por parte de procuradores. Advogados públicos, quando não recorrem, respondem a processos administrativos. A ordem do poder público é recorrer por recorrer.

Faz-se necessário um Pacto que mude a cultura cartorária e atrasada com que os processos judiciais tramitam; que supere a falta de estrutura do Judiciário e que imponha uma gestão planejada, eficiente e transparente dos tribunais de justiça. O Conselho Nacional de Justiça vem envidando esforços nesse sentido. Muito há de ser feito, porém. Presidentes de Tribunais necessitam entender que as Cortes de Justiça não são capitanias, mas um espaço público de prestação de serviços, onde devem vigorar os princípios da impessoalidade e eficiência, dentre outros.

O Pacto apresenta três pilares, quais sejam a proteção dos direitos humanos e fundamentais, agilidade e efetividade da prestação jurisdicional e acesso universal à Justiça. Nenhuma delas será alcançada sem a resolução do problema dos precatórios. Direitos humanos pressupõem respeito do Estado, efetividade e acesso à Justiça significam o cumprimento das obrigações por parte de todos, inclusive do poder público. Urge seja celebrado um pacto contra o calote e pelo respeito às decisões do Poder Judiciário, seja contra o particular seja em oposição aos interesses do Estado".