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CNJ vem à Bahia para inspecionar Judiciário

Após seis meses, representantes do órgão controlador retornam a Salvador para verificar se providências requeridas ao TJ-BA, visando melhorar atendimento, foram efetivadas


REGINA BOCHICCHIO

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Praticamente seis meses após a visita de inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à Bahia, motivada entre outras coisas porque o Judiciário baiano apresentava atrasos em mais de 110 mil processos – concentração de mais da metade dos processos em atraso no País –, a equipe do conselho, sob o comando do ministro Gilson Dipp, está de volta, hoje e amanhã, para saber se o Tribunal de Justiça está cumprindo as recomendações.

Em dezembro do ano passado, o CNJ apresentou um relatório com 40 pontos sintetizando os principais problemas encontrados na Justiça baiana e anexou recomendações. Hoje, embora muitas rotinas ainda não tenham sido alteradas, o Judiciário diz que houve melhorias em muitos pontos, principalmente na parte de tecnologia – o que repercute em muitos serviços.

A presidente do Tribunal de Justiça (TJ), desembargadora Silvia Zarif, diz que o tribunal está preparado para a visita do CNJ e citou ações do TJ (leia ao lado).

“Os problemas são muitos, as dificuldades grandes. Tenho consciência de que não vou resolver o problema da Justiça, mas tenho certeza de que ao final da minha gestão o Tribunal será outro”.

Tanto Zarif quanto o superintendente do Instituto Pedro Ribeiro de Administração Judiciária (Ipraj), Pedro Vieira, garantem que muitas coisas mudaram.

A começar pelo número de processos acumulados. O TJ não soube precisar quantos já foram julgados, mas a implantação de sistemas tecnológicos permitiu descobrir que os números de processos eram bem menores porque simplesmente não se dava baixa nos processos quando eram encerrados.

CULTURA – Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil BA, Saul Quadros, “eles (o TJ) nem poderiam resolver todos os problemas nesse espaço de tempo.

Tem ainda muita coisa que deixa a desejar”. E continua: “Os juizados especiais continuam na mesma situação; os advogados para devolver um processo precisam de uma senha, imagine. As comarcas do interior do Estado, a maioria continua vaga e há lentidão dos juízes, eles não são controlados”, relata. Saul acredita que é preciso atingir o “núcleo” da coisa, que é “de ordem cultural e de costume”.

A coordenadora de Juizados Especiais, juíza Mariana Teixeira, enfatiza que nada se “resolve num passe de mágica”. Ela cita que os juizados especiais estão afogados e que a demanda não para de crescer. “Temos falta de pessoal, mas a gente não pode nem pensar em contratar agora, porque gera despesa. Temos de pensar em implantar tudo gradativamente”, disse.

TECNOLOGIA – Dinheiro para investimentos em mudanças, tanto as previstas para cumprir as recomendações do CNJ quanto para alguns planos do Judiciário, está previsto no orçamento deste ano (reforma de fóruns, campanhas, equipamentos dos balcões de justiça...). Mas o maior problema são os recursos para custeio, revela Zarif. Embora o Judiciário esteja operando no limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com 5,6% da receita corrente líquida (RCL), a arrecadação do Estado tem diminuído com a crise financeira mundial.

Existem planos para conseguir otimizar a receita, entre outros, o da aquisição de imóveis.

Com isso, o Judiciário deixaria de pagar R$ 2 milhões por mês em aluguel de imóveis. Com essa economia, se poderia “investir no que importa: informática”, diz a presidente. Toda a parte de tecnologia informática que irá permitir agilizar processos e monitorar arrecadação de custas e produção de servidores e magistrados está vinculado ao Ipraj.

O controle dos cartórios extrajudiciais com o DAJ eletrônico, por exemplo, já foi instalado em toda a Salvador. São 2.101 cartórios na Bahia, sendo 1,4 mil extrajudiciais. São milhões investidos em tecnologia. “Noventa e nove por cento do que eles (CNJ) recomendaram já eram metas nossas”, diz Pedro Vieira, superintendente do Ipraj, sobre as recomendações do CNJ.

AÇÕES DO TJ

1

Investimento em informática

Este é o norte do Judiciário hoje, já que muitos dos pontos negativos apontados pelo CNJ estão relacionados à morosidade decorrente de deficiência nessa área. Foram adquiridos computadores novos por meio do Ipraj e um sistema está sendo implantado com a finalidade de unificar as 147 comarcas da Bahia.

Assim, o trabalho se agiliza e há como monitorar o trabalho feito por servidores e juízes. Só na aquisição de computadores (cinco mil máquinas convencionais de ponta e 850 notebooks), foram investidos cerca de R$ 10 milhões

2

O Projudi,

Processo Judicial Digital, estará instalado em todos os cartórios de Salvador até o final do ano. Por enquanto está nos cartórios do Comércio, Liberdade e Bonfim. Estudos mostram que o sistema diminui em 30% o tempo do processo.

 

Além de várias outras vantagens, como a supressão do papel. O advogado, nesse caso, não precisa esperar no balcão do cartório, basta acessar a rede, e o juiz também acessa o processo via computador. Outra coisa é que acaba o “sumiço” de processos das prateleiras.

 

3

Mutirão

Dia 9 de maio, 50 mesas de audiência serão instaladas no Centro de Convenções para julgar processos de relação de consumo. As Varas de Consumo que eram duas e recebiam, cada uma, cerca de dois mil processos por mês, agora são 32, pois foi ampliada a competência das 28 Varas Cíveis.

 

4

Campanha DAJ

eletrônico

O Documento de Arrecadação Judiciária eletrônico suprime o papel e o valor da taxa aparece também no sistema eletrônico do banco que recebe o pagamento. Uma vez pago, o banco acusa ao cartório, pelo sistema, o recebimento do valor. O TJ também colocou pessoal para fiscalizar cartórios in loco. Em maio, o TJ lançará uma campanha para que a população saiba sobre o DAJ eletrônico e que é crime cobrar e pagar taxas extras à tabela dos serviços cartorários. O DAJ está implantado em todos os cartórios de Salvador. De acordo com o Ipraj, está evitando a recuperação de evasão de custas de cerca de R$ 1 milhão por mês.

 

5

Mudança

O Ipraj, que funciona em Sussuarana, mudará, esta semana, para o prédio anexo ao Tribunal de Justiça (CAB). O prédio, que sofrerá reforma orçada em R$ 600 mil, deverá abrigar em alguns meses Varas Criminais que hoje funcionam no Fórum Criminal Desembargador Carlos Souto. Do Fórum Ruy Barbosa sairão as Varas de Família, transferidas para o Carlos Souto. A ideia é transformar parte do prédio do Ruy Barbosa num museu.

 

Ipraj se esforça para acabar com o custo por fora nos cartórios

Pedro Vieira, do Ipraj, diz que, por meio de investimento em tecnologia, 147 comarcas devem estar interligadas até o final de abril. “Eu sou o primeiro administrador aqui que não sou ligado a ninguém. Aqui, antes, tudo era medido na questão política e hoje é um órgão essencialmente técnico”, diz Vieira.

 

Ele que já fez parte do CNJ, trabalhou com a ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, e que (STF) foi convidado por Zarif para assumir o cargo atual.

 

O sistema informatizado também permitirá que a corrupção em cartórios seja evitada. Não haverá como cobrar além pelos serviços, a não ser que a pessoa se encontre fora do cartório com quem quer pagar “taxa extra” para agilizar os serviços cartoriais.

 

Um profissional da fotografia, que preferiu não ser identificado, abordado pela reportagem, coincidentemente nos arredores do Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas de Salvador 1º Ofício (Centro), contou que em meio a tanta burocracia e filas, acabou apelando para um despachante a fim de conseguir a escritura de sua nova residência.

 

“Eu paguei um salário mínimo pelo serviço do despachante (R$ 465) e tantas outras taxas que são cobradas e não são baratas.

 

No demonstrativo de custos que o despachante mostrou, entre as taxas, havia uma chamada de ‘taxa especial para agilizar o processo’, que me custou mais R$ 200.

 

Sei que não está correto, mas o despachante conseguiu um documento num espaço de tempo bem mais rápido, e eu precisava.

 

Infelizmente, com a morosidade, a gente acaba apelando para isso”, contou o fotógrafo.

 

PEGADINHA – Uma questão clássica é também a má vontade do servidor. A própria presidente do TJ, Silvia Zarif, foi vítima de um servidor do Judiciário. No Fórum Ruy Barbosa, conta ela, decidiu pedir uma informação num cartório. Não revelou sua identidade, apenas questionou.

 

A mulher atrás do balcão mal levantou a cabeça para olhá-la e responder a sua pergunta. “Agradeci a ela e disse que, quando ela esteve em meu gabinete, eu a recebi e acompanhei até a porta.

 

Ela disse que não havia me reconhecido, o que é absurdo, porque todos devem ser bem tratados, independentemente de quem seja. Eu nem quis ouvir as desculpas dela. Tenho ido a cartórios e tenho visto o mau atendimento que os cartórios dão às pessoas”, revelou Zarif.

 

Outro caso é quando a pessoa ignora as funções cartoriais e também não têm dinheiro para soltar a despachantes. A reportagem encontrou Cristina Anastácia de Santana, 29 anos, moradora do Vale dos Lagos, no Cartório de Registro Civil de Brotas. Ela havia retirado senha para ser atendida 12h30 e conseguiu ser ouvida pela servidora do cartório poucos instantes antes das 17h.

 

Depois de explicar que precisa da 2ª via do atestado de óbito de seu esposo, que faleceu no Hospital Roberto Santos, foi informada de que não era ali, e sim no cartório da Liberdade. O problema é que disseram, no cartório do Centro Empresarial Iguatemi, um dia antes, e após uma fila imensa, que o caso era para o cartório de Brotas. “A gente fica sem saber e os funcionários também não ajudam”. (R.B.)

 

Falta de pessoal prejudica atendimento ao público

A morosidade crônica instalada no Judiciário baiano não foi (e nem poderia ser) curada em seis meses. Algumas coisas continuam na mesma situação, ou quase, de antes do relatório do CNJ, como é o caso de filas em muitos cartórios e ausência de pessoal suficiente para atender à demanda, como verificado pela reportagem de A TARDE no Cartório de Registro Civil de Brotas (D. João VI), onde o atendimento é demorado e há filas e distribuição de senhas pela manhã para que a pessoa seja atendida pela tarde, por falta de pessoal.

 

Outros exemplos são os atos de corrupção nos cartórios, como as “taxas extras” (ilegais) cobradas para “agilizar” serviços, que foram “institucionalizadas” tanto pelos servidores quanto pelos cidadãos. Contra isso, o TJ implantou o DAJ eletrônico – Documento de Arrecadação Judiciária, um sistema eletrônico que visa acabar com as brechas que permitem cobranças ilegais (leia ao lado).

 

Com esse sistema, diz Pedro Vieira, tem sido possível evitar a evasão de custas no Estado num valor estimado em R$ 1 milhão por mês (cartórios judiciais e extrajudiciais), o que permite a recuperação de receita.

 

A venda de agilização de serviços é um problema antigo e não se restringe à Bahia. “Isso é crime, eu fico indignada, e nós estamos com fiscalizadores nas ruas e haverá um trabalho de educação. O povo tem de aprender a denunciar”, diz Zarif.

 

Outro exemplo de conduta que emprestou má fama ao Judiciário baiano e apareceu no relatório do CNJ são os juízes que não trabalham o quanto deveriam.

 

Pedro Vieira explica que o próprio avanço tecnológico está buscando resolver o problema, já que a instalação do sistema integrado entre comarcas permite monitorar todos, inclusive juízes, se estão aparecendo para trabalhar e proferindo sentenças, enfim. Essa tecnologia foi desenvolvida e está sendo implantada pelo pessoal do Ipraj.

 

Vieira, que tem larga experiência em ajustar situações como a encontrada na Justiça baiana, pensa que há também um problema cultural a ser resolvido.

 

“Eu sinto que não há aquela motivação para acabar com a história de que o baiano é preguiçoso.

 

Temos de mudar isso”.

 

As distorções na Justiça baiana são muitas e um exemplo do que não aparece no relatório do CNJ é a impunidade de magistrados supostamente corruptos, como os que receberam propinas para decidir o rumo de muitas sentenças, como ficou evidenciado na deflagração da Operação Janus, pelo Ministério Público (MP) e Polícia Civil baianos, cujo inquérito já foi concluído e os acusados já foram denunciados à Justiça. Tanto o TJ e Ipraj quanto as corregedorias Geral e das Comarcas do Interior produziram relatórios acerca dos apontamentos do CNJ e sobre o que estão fazendo, que estão disponíveis no site do TJ. (R.B.)

 

 
Publicado em: 13/04/2009
Fonte: Jornal A Tarde, Política, pg. 2