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Quem ganha e quem perde com interpretação das MPs?

Por Antônio Augusto de Queiroz

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), incomodado com a paralisia do plenário da Casa, em face do bloqueio da pauta por medidas provisórias com mais de 45 sem apreciação (CF artigo 62), resolveu dar uma interpretação semelhante a que os presidentes do Congresso, desde 2001, vêm dando aos vetos presidenciais — que igualmente bloqueiam a pauta se não forem apreciados em 30 dias (CF artigo 66, parágrafo 4º) — segundo a qual a pauta só fica travada nas sessões ordinárias, podendo deliberar sobre outras matérias em sessões extraordinárias.

A interpretação — que mereceu acolhida do ministro Celso Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao negar pedido de liminar dos partidos de oposição — PPS, DEM e PSDB — difere da do presidente do Congresso apenas em um aspecto.

Enquanto na Câmara, as sessões extraordinárias poderão apreciar apenas matérias de hierarquia diferente da lei ordinária, cujo status equivale a de uma medida provisória, podendo apreciar PEC (proposta de emenda à Constituição) e projeto de lei complementar (PLP), com quorum qualificado, e projetos de decreto legislativo (PDC) e de resolução (PR), com exigência de maioria simples, nas sessões extraordinárias do Congresso votam-se projetos orçamentários, da mesma hierarquia da lei ordinária, exceto vetos (de projeto de lei ordinário e projeto de complementar), que exigem maioria absoluta (metade mais um dos votos) para sua rejeição.

O plenário do Supremo Tribunal Federal ainda irá apreciar a decisão monocrática do ministro Celso Mello, que negou o pedido de suspensão da interpretação do presidente da Câmara, mas a Casa já poderá adotar a nova sistemática de votar PEC, PLP, PDC e PR em sessão extraordinária, cabendo às comissões permanentes, em caráter conclusivo, votar os projetos de lei ordinários, que dispensam a apreciação em plenário, exceto nos casos de parecer divergente ou recurso de um décimo dos deputados.

Quem ganha e quem perde com essa interpretação?

Ganha, em parte, o Poder Legislativo, que volta a deliberar, e, plenamente, o PMDB, que descobriu o novo arranjo e preside as duas Casas do Congresso.

O Poder Legislativo, cujos integrantes tem sido acusado de omissos por não deliberarem em plenário, ganha em parte porque voltará a deliberar sobre todas as demais matérias que não tenham a mesma hierarquia de lei ordinária. Embora, em termos percentuais, o número de PECs e PLPs sejam numericamente insignificantes, comparativamente com os projetos de lei ordinária e MPs aprovados em plenário, a imprensa não poderá mais dizer que o Congresso está paralisado.

O PMDB, que possui as maiores bancadas e preside as duas Casas do Congresso, será o principal beneficiário, porque poderá “vender” à sociedade que arrumou uma saída criativa para tirar o Legislativo Federal da paralisia, abrindo espaço para votar as grandes reformas em nível constitucional, como a tributária, a PEC do trabalho escravo, a regulamentação da edição de medidas provisórias, entre outras.

Além disto, o PMDB poderá, como já vem ocorrendo em relação às MPs, assumir a relatoria de matérias relevantes que venham a ser apreciadas em sessão extraordinária.

Perdem o Governo, que ficará refém do Congresso, e os partidos de oposição, que lucravam politicamente com a obstrução e podiam denunciar o Planalto pela paralisação do Legislativo com o suposto excesso de medidas provisórias.

O Executivo, que comemorou a decisão, será o principal prejudicado, porque perde o controle da agenda legislativa, especialmente em relação às propostas que independem da sanção presidencial, como as PECs e os projetos de decretos legislativos.

No caso das PECs, há dezenas delas que criam despesas, como a que trata da equiparação salarial de delegados com os magistrados, ou criam precedentes perigosos para o Governo, como a que cria um trem da alegria nos cartórios, entre outras. No caso de projeto de decreto legislativo, existem muitos que sustam atos governamentais, que só não foram a votos porque as MPs tinham precedência na votação em plenário.

A oposição, que foi contra a decisão, também perde porque não mais poderá acusar o Governo de paralisar o Congresso com excesso de MPs, já que muitas outras matérias poderão ser votadas em sessão extraordinária, nem poderá forçar negociações em outros temas como forma de desbloquear a pauta. Além disto, ficará evidente que não há excesso de MPs – uma média de quatro por mês – mas ficava essa impressão porque nada era votado em plenário enquanto não fossem apreciadas as medidas provisórias.

A solução encontrada, entretanto, não é novidade, porque já era aplicada no Congresso desde 2001, quando os vetos supostamente passaram a bloquear a pauta das sessões ordinárias conjuntas; não resolverá o falso problema do excesso de MPs, porquanto elas continuarão a ser editadas; nem tampouco irá permitir a votação de grandes temas, já que as matérias necessárias, como a PEC da reforma tributária, não terão grandes chances de aprovação, mas as que criam despesas ou embaraços para o Governo, como a dos delegados, do aumento para 75 da idade de magistrados e membros do Ministério Público para aposentadoria compulsória e dos cartórios, entre outras, poderão ser aprovadas.

A interpretação tem o mérito de demonstrar a autoridade e o interesse do presidente da Câmara em deliberar, mas não enfrenta as causas do problema, cuja verdadeira solução passa pelo respeito às regras de tramitação de MPs, que exige a constituição de comissão mista, cujo relatório deve estar pronto para votação em plenário 30 dias antes do trancamento da pauta, pelo cumprimento das obrigações dos presidentes das duas Casas, que deveriam definir a pauta e convocar os parlamentares para deliberar, dos líderes da base aliada, que precisam comandar suas bancadas, para votar contra ou favor, e da oposição, que deve exigir isonomia na relatoria das matérias.