Notícias

OAB questiona no STF controle externo das polícias pelo Ministério Público

Brasília, 23/03/2009 - O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4220, com pedido cautelar, contra a Resolução no 20/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que disciplina o controle externo da atividade policial no Brasil pelo Ministério Público. Para a OAB, ao regulamentar o controle externo da atividade das polícias, a Resolução viola a Constituição Federal, uma vez que não foi dada competência ao CNMP para editar tal norma.
Na ação assinada pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, a entidade destaca que a Constituição, a partir da Emenda Constitucional no 45/04 (da Reforma do Judiciário), delimitou as competências do CNMP como sendo "de controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros (Art. 130-A, parágrafo 2º)".

"Em nenhum dos comandos constitucionais que cuidam das competências do CNMP se encontra a de regrar o controle externo da atividade policial", afirma a entidade da advocacia por meio da Adin. "Só daí já é possível concluir pela inconstitucionalidade da Resolução". A OAB lembra, ainda, que a Constituição de 1988 deu essa competência aos poderes Legislativo e Executivo, que devem reger o tema por meio de lei complementar.

Entre outras inconstitucionalidades apontadas pela OAB no texto da ação, a OAB ressalta o artigo 2º da resolução. A pretexto de realizar o controle externo, o dispositivo acabou permitindo ao próprio Ministério Público realizar investigações criminais, o que contraria o artigo 144 da Constituição Federal. A Ordem pede a concessão de liminar para suspender a norma até o julgamento final do STF e, no mérito, que a Corte declare a inconstitucionalidade integral da Resolução 20/2007 do CNMP.

Veja a seguir a íntegra da Adin nº 4220 ajuizada pelo Conselho Federal da OAB

"EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
 

CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB¸ por seu Presidente, vem, à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu advogado infra-assinado, com instrumento procuratório específico incluso e endereço para intimações na SAS Qd. 05, Lote 01, Bloco M, Brasília-DF, com base no art. 103, inciso VII e art. 102, inciso I, alínea "a" da Constituição Federal e no art. 2º, inciso VII da Lei nº 9.868/99, e de acordo com a decisão plenária tomada nos autos do processo nº 2007.18.03020-01 - Conselho Pleno (certidão anexa), propor

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO CAUTELAR

 

em face do CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, por intermédio de seu Presidente, o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, com endereço para comunicações no SHIS QI 03, lote A, blocos B e E, Edifício Terracotta - Lago Sul - Brasília/DF, órgão responsável pela elaboração da Resolução n° 20, de 28/05/2007, publicada no Diário da Justiça em 20/06/2007, pelos seguintes fundamentos:

1.  DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

 A Resolução n° 20/2007, do CNMP, disciplina, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial,  conforme se depreende de sua ementa:" Regulamenta o artigo 9º da Lei Complementar n.º 75/93 e o artigo 80 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial.".  Eis o seu teor integral:

"O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso de suas atribuições, em conformidade com a decisão plenária tomada em Sessão realizada no dia 28 de maio de 2007;

O CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 130-A, §2º, inciso I, da Constituição Federal e com fulcro no artigo 64-A, de seu Regimento Interno;

CONSIDERANDO o disposto no artigo 127, caput e artigo 129, incisos I, II e VII, da Constituição Federal;

CONSIDERANDO o que dispõem o artigo 9º, da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993 e o artigo 80, da Lei n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993;

CONSIDERANDO a necessidade de regulamentar no âmbito do Ministério Público o controle externo da atividade policial;

 RESOLVE:

 Art. 1º Estão sujeitos ao controle externo do Ministério Público, na forma do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, da legislação em vigor e da presente Resolução, os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e persecução criminal.

Art. 2º O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente, para:

I - o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis;

II - a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público;

III - a prevenção da criminalidade;

IV - a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal;

V - a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal;

VI - a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal;

VII - a probidade administrativa no exercício da atividade policial.

 Art. 3º O controle externo da atividade policial será exercido:

I - na forma de controle difuso, por todos os membros do Ministério Público

com atribuição criminal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos;

II - em sede de controle concentrado, através de membros com atribuições

específicas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada Ministério Público.

Art. 4º Incumbe aos órgãos do Ministério Público, quando do exercício ou do resultado da atividade de controle externo:

I - realizar visitas ordinárias periódicas e, quando necessárias, a qualquer tempo, visitas extraordinárias, em repartições policiais, civis e militares, órgãos de perícia técnica e aquartelamentos militares existentes em sua área de atribuição;

II - examinar, em quaisquer dos órgãos referidos no inciso anterior, autos de inquérito policial, inquérito policial militar, autos de prisão em flagrante ou qualquer outro expediente ou documento de natureza persecutória penal, ainda que conclusos à autoridade, deles podendo extrair cópia ou tomar apontamentos, fiscalizando seu andamento e               regularidade;

III - fiscalizar a destinação de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e objetos apreendidos;

IV - fiscalizar o cumprimento dos mandados de prisão, das requisições e demais medidas determinadas pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, inclusive no que se refere aos prazos;

V - verificar as cópias dos boletins de ocorrência ou sindicâncias que não geraram instauração de Inquérito Policial e a motivação do despacho da autoridade policial, podendo requisitar a instauração do inquérito, se julgar necessário;

VI - comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar;

VII - solicitar, se necessária, a prestação de auxílio ou colaboração das corregedorias dos órgãos policiais, para fins de cumprimento do controle externo;

VIII - fiscalizar cumprimento das medidas de quebra de sigilo de comunicações, na forma da lei, inclusive através do órgão responsável pela execução da medida;

IX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços policiais, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa seja de responsabilidade do Ministério Público, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.

§ 1º Incumbe, ainda, aos órgãos do Ministério Público, havendo fundada necessidade e conveniência, instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial.

§ 2º O Ministério Público poderá instaurar procedimento administrativo visando sanar as deficiências ou irregularidades detectadas no exercício do controle externo da atividade policial, bem como apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustificado das requisições pertinentes.

§ 3º Decorrendo do exercício de controle externo repercussão do fato na área cível, incumbe ao órgão do Ministério Público encaminhar cópias dos documentos ou peças de que dispõe ao órgão da instituição com atribuição para a instauração de inquérito civil público ou ajuizamento de ação civil por improbidade administrativa.

 Art. 5º Aos órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial, caberá:

I - ter livre ingresso em estabelecimentos ou unidades policiais, civis ou aquartelamentos militares, bem como casas prisionais, cadeias públicas ou quaisquer outros estabelecimentos onde se encontrem pessoas custodiadas, detidas ou presas, a qualquer título, sem prejuízo das atribuições previstas na Lei de Execução Penal que forem afetadas a outros membros do Ministério Público;

II - ter acesso a quaisquer documentos, informatizados ou não, relativos à atividade-fim policial civil e militar, incluindo as de polícia técnica desempenhadas por outros órgãos, em especial:

a) ao registro de mandados de prisão;

b) ao registro de fianças;

c) ao registro de armas, valores, substâncias entorpecentes, veículos e outros objetos apreendidos;

d) ao registro de ocorrências policiais, representações de ofendidos e notitia criminis;

e) ao registro de inquéritos policiais;

f) ao registro de termos circunstanciados;

g) ao registro de cartas precatórias;

h) ao registro de diligências requisitadas pelo Ministério Público ou pela autoridade judicial;

i) aos registros e guias de encaminhamento de documentos ou objetos à perícia;

j) aos registros de autorizações judiciais para quebra de sigilo fiscal, bancário e de comunicações;

l) aos relatórios e soluções de sindicâncias findas.

III - acompanhar, quando necessária ou solicitada, a condução da investigação policial civil ou militar;

IV - requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial ou inquérito policial militar sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, ressalvada a hipótese em que os elementos colhidos sejam suficientes ao ajuizamento de ação penal;

V - requisitar informações, a serem prestadas pela autoridade, acerca de inquérito policial não concluído no prazo legal, bem assim requisitar sua imediata remessa ao Ministério Público ou Poder Judiciário, no estado em que se encontre;

VI - receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade, por desrespeito aos direitos assegurados na Constituição Federal e nas leis, relacionados com o exercício da atividade policial;

VII - ter acesso ao preso, em qualquer momento;

VIII - ter acesso aos relatórios e laudos periciais, ainda que provisórios, incluindo documentos e objetos sujeitos à perícia, guardando, quanto ao conteúdo de documentos, o sigilo legal ou judicial que lhes sejam atribuídos, ou quando necessário à salvaguarda do procedimento investigatório.

 Art. 6º Nas visitas de que trata o artigo 4º, inciso I, desta Resolução, o órgão do Ministério Público lavrará a ata ou relatório respectivo, consignando todas as constatações e ocorrências, bem como eventuais deficiências, irregularidades ou ilegalidades e as medidas requisitadas para saná-las, devendo manter, na promotoria ou procuradoria, cópia em arquivo específico.

Parágrafo único. A autoridade diretora ou chefe de repartição policial poderá ser previamente notificada da data ou período da visita, bem como dos procedimentos e ações que serão efetivadas, com vistas a disponibilizar e organizar a documentação a ser averiguada.

 Art. 7º Os Ministérios Públicos dos Estados e da União deverão adequar os procedimentos de controle externo da atividade policial, expedindo os atos necessários ao cumprimento da presente Resolução, no prazo de 90 dias a contar de sua entrada em vigor.

 Art. 8º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação"

Ao regulamentar o controle externo da atividade policial, ainda que restritamente ao âmbito do Ministério Público, o ato normativo ora impugnado violou a Constituição Federal, na medida em que não foi dada competência ao CNMP para tal regulamentação.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, como legitimado universal para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade e, portanto, defensor da cidadania e da Constituição, no exercício de sua competência legal (Art. 44, inciso I da Lei nº 8.906/94), comparece ao guardião da Carta Magna, para impugnar a íntegra da Resolução n° 20/2007-CNMP.

Feitas essas considerações, passa-se a demonstrar a inconstitucionalidade dos dispositivos normativos combatidos.

2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS

 2.1 DA COMPETÊNCIA DO CNMP

 A Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, delimitou as competências do Conselho Nacional do Ministério Público, destacando-se o "controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros" (Art. 130-A, § 2°).

Em nenhum dos comandos constitucionais que cuidam das competências do CNMP (Art. 130-A, § 2° e incisos I a V) se encontra a de regrar o controle externo da atividade policial. Só daí já é possível concluir pela inconstitucionalidade da Resolução objeto da presente impugnação, exatamente por versar matéria normativa não autorizada ao CNMP pela Carta Política. Há mais, contudo.

2.2 RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR

Em boa verdade, a competência para a disciplina normativa do controle externo da atividade policial foi atribuída pela Carta Política aos poderes legiferantes (no caso, ao Congresso Nacional, com participação do Presidente da República), por meio de lei complementar.

Não é outra a conclusão que se extrai do Art. 129, inciso VII:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(...)

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; (grifou-se)

Trata-se, portanto, de matéria constitucionalmente reservada à lei complementar. Nesse sentido, confira-se Parecer da Drª ANADYR DE MENDONÇA RODRIGUES, aprovado pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro, emitido nos autos da ADIn 638-0/600-RJ:

"Desse modo, parece inequívoco que o artigo 129, VII, da Constituição Federal, ao se remeter à Lei Complementar permitida no artigo 128, § 5°, caput - para fazer a definição da atividade de CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL inserida dentre as funções institucionais do Ministério Público - não estava conferindo, a tal Lei Complementar, para esse fim, o poder de alterar o Código de Processo Penal. Tal artigo 129, VII, deve ser entendido, então, tão-somente, no sentido de estar limitado a estabelecer que a ‘lei complementar mencionada no artigo anterior'' haveria de definir A FORMA, através da qual os membros da Instituição a desempenhariam, cumulativamente com as demais atribuições institucionais" (apud VIEIRA, Luis Guilherme, "Investigação Criminal", disponível no www.conjur.com.br, em 05/09/2005).

Essa Suprema Corte já teve a oportunidade de rechaçar tentativa de regulamentação do dispositivo constitucional do Art. 129, VII, levada a efeito por resolução do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em decisão inteiramente aplicável ao presente caso:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. DISPOSITIVOS DA RESOLUÇÃO N. 447, DE 17 DE JUNHO DE 1994, DA PROCURADORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 22, I; 61, INC. II, ALINEA D; 127, PAR. 2., IN FINE; 128, PAR. 5. 129, INCS. VI E VII; E 144, PAR. 4., DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPROPRIEDADE DO MEIO EMPREGADO PARA REGULAMENTAÇÃO DO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, RESERVADA PELA CONSTITUIÇÃO A LEI COMPLEMENTAR DA UNIÃO E DOS ESTADOS (ART. 128, PAR. 5.), CIRCUNSTANCIA QUE REFORÇA A PLAUSIBILIDADE DA TESE DA ARGUIDA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO REFERIDO ATO E EVIDENCIA A CONVENIENCIA DA PRONTA SUSPENSÃO DA EFICACIA DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS, NO PROL DA HARMONIA FUNCIONAL DOS ÓRGÃOS ENVOLVIDOS. CAUTELAR DEFERIDA." (grifou-se) (ADI-MC 1138/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 16/02/1996).

Patente, portanto, a inconstitucionalidade integral da Resolução n° 20 do CNMP, por atuação em área constitucionalmente reservada à lei complementar. Lei complementar essa que já existe (Lei Complementar n° 75/93, que cuida do assunto controle externo da atividade policial em seu Art. 9°).

2.3 INCONSTITUCIONALIDADES TÓPICAS DA REOLUÇÃO N° 20 DO CNMP

 Além de ser integralmente inconstitucional, por invasão da reserva de lei complementar, a Resolução n° 20 do CNMP apresenta ainda uma série de inconstitucionalidades tópicas, que serão pontuadas e demonstradas a seguir.

2.3.1 Art. 1° - Normatização sobre direito processual penal e sobre polícia legislativa

A regra do Art. 1° da Resolução questionada é inconstitucional porque: a) cuida de matéria constitucionalmente reservada à lei formal, lei da União, qual seja direito processual penal (Art. 22, I); b) invade o controle das polícias legislativas, que só pode licitamente ser realizado pelas respectivas Casas Legislativas, sob pena de invasão da autonomia constitucional do Poder Legislativo (Art. 51, IV; Art. 52, XIII e Art. 2°).

2.3.2 Art. 2° - Normatização que direciona o Ministério Público para a realização própria da investigação criminal

O comando normativo do Art. 2° da Resolução impugnada desvirtua a finalidade do controle externo da atividade policial, ao permitir que, a pretexto de realizar esse controle, possa o Ministério Público realizar, ele mesmo, e diretamente, a investigação criminal.

Com efeito, a competência para a realização de apurações e investigações criminais é dos órgãos policiais, conforme estabelecido no Art. 144, incisos e parágrafos da Carta Magna.

O Art. 2° da Resolução n° 20/2007 do CNMP, contudo, prevê, em especial nos seus incisos IV e VI, que a atuação policial poderá sofrer ingerência do Ministério Público para "a finalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal", podendo ser exercida, inclusive, para a "superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fins de investigação criminal", tarefas próprias da investigação criminal propriamente dita.

Resta claro, portanto, que a norma do Art. 2° da Resolução em foco viola o Art. 144 da Constituição.

2.3.3 Art. 3° - Normatização que permite ao Ministério Público exercer o "controle concentrado" dos órgãos policiais - invasão da esfera constitucionalmente reservada ao Poder Executivo

 O Art. 3°, inciso II, da Resolução combatida, autoriza a realização de um "controle concentrado" da atividade policial por membros do Ministério Público com atribuições específicas.

 Todavia, a Constituição Federal não prevê um "controle concentrado" da atividade policial. Assim sendo, a norma extrapola frontalmente os próprios parâmetros do Art. 129. Demais disso, esse "controle concentrado" da atividade policial é, na verdade, um típico controle que se realiza no seio do próprio Poder Executivo. Assim é que compete ao Chefe do Poder Executivo exercer a direção superior da Administração Pública (Art. 84, inciso II). As polícias, como órgãos integrantes das Administrações Públicas, submetem-se a "controle concentrado" do respectivo Chefe do Poder Executivo.

2.3.4 Art. 4° - Normatização que: a) permite a qualquer promotor de justiça, além do promotor oficiante no feito, examinar inquéritos e outros procedimentos; b) permite ao Ministério Público instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal e apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustificado das requisições pertinentes

Ainda a pretexto de regulamentar o controle externo da atividade policial, a Resolução atacada ofende o princípio da reserva constitucional de lei, como também extrapola significativamente os limites constitucionais da atuação do Ministério Público.

O disposto no Art. 4° da Resolução n° 20/2007 do CNMP, além da ofensa aos Arts. 129 e 130-A (vício do qual padecem todos os dispositivos da resolução, conforme apontado nos itens 2.1 e 2.2), agride com especificidade o princípio da reserva legal. A possibilidade de qualquer promotor, além do promotor do feito, examinar inquéritos e outros procedimentos e documentos (inciso II do Art. 4° da resolução), atenta contra a competência do Congresso Nacional para legislar sobre direito processual penal (Art. 48 c/c Art. 22, inciso I) e afronta a autonomia policial estabelecida no Art. 144 da Carta Política.

Já o comando do § 1° do Art. 4º da mencionada resolução, ao prever que o Ministério Público poderá "instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal ocorrido no exercício da atividade policial", abre evidente confronto com o Art. 144 da Constituição. A função de apuração das infrações penais é da polícia. O Ministério Público não as pode exercer, pena de maltrato, como se dá na hipótese, ao Art. 144 da CF.

Finalmente, quanto ao Art. 4°, deve ser apontado que o § 2° admite que o MP poderá "apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustificado das requisições pertinentes", e que essa prescrição normativa ofende a autonomia da investigação policial, ao permitir que sejam feitas requisições à autoridade policial. Requisições essas que, ante os termos dos demais preceitos da resolução, podem dirigir-se à apuração criminal. O estabelecimento de procedimento tendente a impor sanções completa o quadro de avanço da Resolução n° 20/2007 do CNMP sobre órbita privativa da polícia.

2.3.5 Art. 5° - Normatização que: a) permite ao Ministério Público acompanhar a condução da investigação policial; b) permite a instauração de inquérito criminal, por requisição do Ministério Público, ante omissão da autoridade policial; c) permite ao Ministério Público a requisição de inquérito não concluído; d) permite que qualquer membro do MP tenha acesso indiscriminado a informações constantes dos inquéritos criminais

A norma do inciso III do Art. 5° da resolução, ao prescrever que cabe ao MP "acompanhar, quando necessária ou solicitada, a condução da investigação policial civil ou militar", afronta, tal como os preceitos antes mencionados, o Art. 144 da CF, na medida em que adentra no âmbito da competência da polícia de apurar infrações penais. Se exercido o controle externo preconizado, de forma concentrada, como prevê a resolução, vislumbra-se a possibilidade até mesmo de surgir uma "super-corregedoria", em atentado grave à autonomia da polícia com eventual fratura, até mesmo, do sigilo das investigações criminais.

Por sua vez, o comando do inciso IV do Art. 5° da resolução em exame, ao permitir que seja instaurado inquérito por requisição do MP, contra autoridade policial ante omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, institui situação funcional nova. A pretexto de regulamentar o controle externo, cria competência que é privativa do promotor natural da persecução penal.                          

De igual modo o comando do inciso V do mesmo artigo que, ao prever a possibilidade de requisição de informações constantes de inquérito não concluído, também cria competência que é privativa do promotor natural da persecução penal.

 Por derradeiro, a previsão normativa do inciso VIII do mesmo artigo, ao permitir - na medida em que não faz nenhuma ressalva quanto ao seu âmbito de incidência - que qualquer integrante da carreira tenha acesso a informações constantes do inquérito policial (informações que muitas vezes são sigilosas), também atenta contra o princípio do promotor natural.

3.  DO PEDIDO CAUTELAR

 Todos os graves danos à ordem jurídica constitucional indicados no item 2 estão ocorrendo desde 20/06/2007 (data da publicação da Resolução n° 20/CNMP).

Não existe tempo processualmente hábil para a espera do julgamento definitivo da presente ação direta de inconstitucionalidade. Qualquer fator de espera somente fará perpetuar o presente estado de grave inconstitucionalidade e de situações de abuso de poder praticadas a pretexto do exercício do controle externo da atividade policial. E, o que é tão grave quanto, abusos esses que não estarão sujeitos ao controle administrativo do CNMP, que os avalizou previamente por via da resolução ora impugnada.

<" "p>Todo esse quadro está a justificar a concessão da medida cautelar, suspendendo a eficácia da resolução ora combatida, até o julgamento definitivo da presente ação.

4.  DOS PEDIDOS

Pelo exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requer:

a) a notificação do CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, na pessoa de seu Presidente, para que, como órgão responsável pela elaboração da resolução questionada, manifeste-se, querendo, no prazo de cinco dias, sobre o pedido de concessão de medida cautelar, com base no art. 10 da Lei nº 9.868/99;

b) a concessão de medida cautelar, com base no art. 10 da Lei nº 9.868/99, para suspender a eficácia da Resolução n° 20, de 28/05/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, até o julgamento do mérito;

c) a notificação do CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, na pessoa de seu Presidente, para que, como órgão responsável pela elaboração do ato normativo impugnado, manifeste-se, querendo, sobre o mérito da presente ação, no prazo de trinta dias, nos termos do art. 6º, parágrafo único da Lei nº 9.868/99;

d) a notificação do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União, para se manifestar sobre o mérito da presente ação, no prazo de quinze dias, nos termos do Art. 8º da Lei nº 9.868/99 e da exigência constitucional do Art. 103, § 3º;

e) a notificação do Exmo. Sr. Procurador Geral da República, para que emita o seu parecer, nos termos do art. 103, § 1º da Carta Política;

f) a procedência do pedido de mérito, para que seja declarada a inconstitucionalidade integral da Resolução n° 20, de 28/05/2007, do CNMP ou, acaso não atendido esse pleito, que seja declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos dos Arts. 1°, 2°, 3°, inciso II, 4° e 5° da Resolução n° 20/2007, do CNMP.

Deixa-se de atribuir valor à causa, em face da impossibilidade de aferi-lo.

Nesses termos, pede deferimento."

Brasília/DF, 20 de março de 2009.

Maurício Gentil Monteiro
OAB/SE nº 2.435