OAB institui paridade de gênero e cotas raciais de 30% em suas eleições
As medidas foram aprovadas pelo Conselho Pleno da instituição na última segunda-feira (14)
A luta das advogadas brasileiras trouxe uma mudança histórica na Ordem dos Advogados do Brasil. Por ampla maioria, o Conselho Pleno decidiu que, a partir das próximas eleições, as chapas que almejarem entrar na disputa deverão, obrigatoriamente, ter 50% de mulheres entre os seus integrantes.
A paridade de gênero foi votada na última segunda-feira (14) em sessão do Conselho Pleno da OAB Nacional, numa reunião que ficará marcada entre os principais capítulos desta instituição. O Pleno aprovou ainda a proposta que estabelece cota de 30% aos negros e negras nas próximas 10 eleições internas.
A medida entrará em vigor também já nas próximas eleições e casos específicos, onde porventura haja impossibilidade de montar chapas com 30% de afrodescendentes, serão analisados separadamente. A OAB realizará um censo com o objetivo de traçar o perfil da advocacia em cada estado e, quem sabe, posteriormente retomar a matéria.
Essas conquistas contaram com a participação direta e efetiva da advocacia baiana. Vice-presidente da OAB Nacional e presidente da Comissão Especial de Avaliação das Eleições do Sistema OAB, Luiz Viana Queiroz, tem defendido a inclusão das minorias representativas na Ordem como forma de fortalecer o processo democrático na instituição.
Além de Viana, a conselheira federal e presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Daniela Borges, e toda a bancada baiana na OAB Nacional tem desempenhado um papel fundamental nesse processo, sempre propondo ações com o objetivo abrir a Ordem à participação de toda a classe e fazer da OAB, realmente, uma instituição que represente a advocacia.
A OAB da Bahia, inclusive, tem se notabilizado no cenário nacional por já ter um Conselho paritário e com grande participação de negros e negras em diversos cargos, presidindo comissões e atuando em papeis de destaque na gestão. Tudo isso teve início com a chegada de Luiz Viana à presidência da Seccional, em 2013.
Reparação histórica
Presidente da Comissão Nacional de Igualdade Racial da OAB, Sílvia Cerqueira, destacou que as cotas devem ser valorizadas, uma vez que essa é uma conquista que vem sendo construída há bastante tempo e que será uma ferramenta importante no combate ao racismo em nosso país. "Caminhamos por todo o Brasil debatendo as cotas raciais de 30%, sempre rechaçando de forma muito clara a proporcionalidade e buscando esclarecer cada questionamento que surgia", disse.
A conselheira seccional e presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB da Bahia, Maíra Vida, que também participou da sessão que instituiu a paridade de gênero e as cotas raciais, destacou que o movimento de mulheres negras tem crescido e se fortalecido por todo o país, e que essa mudança na OAB se insere dentro da lógica do movimento negro.
"Estamos vendo institutos, coletivos e associações unidos na luta pela dignidade do exercício profissional, defesa das prerrogativas e ocupação dos cargos institucionais e decisórios. A gente pode começar pontuando os fenômenos Esperança Garcia e Luiz Gama, dois expoentes da advocacia negra brasileira, mas que ainda não estão representados nessa Casa, disse".
Relator do processo, o conselheiro federal Jedson Marchesi Maioli, destacou que a medida é uma reparação necessária, uma vez que as desigualdades raciais hoje presentes na nossa sociedade são fruto de um processo de escravidão sem precedentes na história da humanidade. "As relações entre escravidão e racismo são evidentes, pois essa tragédia social não apenas perpetua as desigualdades sociais entre negros e brancos, mas também ocupa o imaginário nacional na forma de preconceito", afirmou.
Paridade Já
Atualmente, o Brasil possui 602.977 advogadas, o que representa 49,9% do total de associados à Ordem. Em 10 seccionais, elas representam a maioria dos inscritos e, entre a jovem advocacia, são 64% das profissionais. No entanto, essa representatividade ainda não se faz presente nos cargos de direção da Ordem.
"A conquista de hoje é um reconhecimento do trabalho, compromisso e competência das advogadas", disse Luiz Viana Queiroz, que afirmou ainda ter certeza que esse marco histórico trará ganho para todo Sistema OAB. "Já fazemos isso na OAB da Bahia e teve grande impacto positivo", destacou.
O presidente da OAB da Bahia, Fabrício Castro, parabenizou a OAB Nacional por esse feito e destacou que a pauta da inclusão deve sempre estar presente na Ordem. "Na Bahia, iniciamos a paridade e hoje, além de metade do Conselho Seccional ser composto por mulheres, temos diversas advogadas presidindo a comissões, a ESA e o TED e todas eles exercem suas funções com extrema competência".
Defensora incontestável dos direitos das mulheres, a conselheira federal Daniela Borges comemorou a mudança e ressaltou que esse exemplo servirá de espelho para que a sociedade civil e demais instituições brasileiras concedam o espaço que, por direito, já pertence às mulheres.
"Esse caminho foi longo. A luta pela paridade na OAB é antiga, mas ela ganhou força na Ordem este ano. Foram nove meses de engajamento de mulheres aguerridas e comprometidas", ressaltou.
Daniela faz questão de lembrar o momento da apresentação do projeto de paridade pela conselheira federal Valentina Jungmann, na 3ª Conferência Nacional da Mulher Advogada. Ela conta que chamar a proposta de Valentina é uma representação da coragem e comprometimento dessa colega de Conselho com a igualdade de gênero.
Advocacia fortalecida
Para Daniela, além da justiça numérica, uma maior representatividade feminina na OAB fará com que soluções reais sejam encontradas para os problemas que atingem milhares de advogadas do país. "Uma advocacia com paridade de gênero é uma advocacia fortalecida. Nós mulheres temos muito o que dizer e o que reivindicar em relação ao exercício da nossa profissão. Quando a gente defende a paridade, estamos sim falando do dia a dia da classe".
Para além dos muitos desafios impostos pela advocacia, como violação das prerrogativas e problemas de remuneração, as mulheres se deparam com o que Daniela Borges define como desafios extras no exercício profissional, como conciliar a profissão com a maternidade e afazeres domésticos. "Essa questão cultural dificulta o ingresso e a permanência da mulher dentro do sistema OAB", disse.
Assim, problemas recorrentes atravessam o dia a dia das advogadas com particularidades culturais e de gênero que os tornam ainda mais difíceis. "Essa é efetivamente a importância da nossa representatividade. Precisamos pensar que a valorização da advocacia também depende de uma maior presença feminina na nossa instituição".
Dentro dessa perspectiva, Daniela reafirma a necessidade dos dirigentes da Ordem estabelecerem políticas inclusivas que venham a contribuir com uma mudança no curso da história e façam com que cada vez mais a presença de mulheres nos espaços de poder não seja visto como algo excepcional. "A beleza da paridade é que a gente não quer que uma mulher chegue, a gente quer que todas cheguem".