"O sistema de Justiça não existe sem a advocacia", diz Erick Venâncio
Quais são, hoje, os principais desafios da advocacia na Seccional do Acre?
Erick Venâncio: Os desafios da advocacia do Acre não são diferentes dos desafios da advocacia brasileira como um todo. Temos vivido uma disseminação absurda das vagas nos cursos de Direito, o que tem feito com que o número de profissionais tenha aumentado de forma exponencial. Esse aumento acaba por desaguar na atividade da OAB. A Ordem tem que conseguir auxiliar esses profissionais tanto na formação, na disseminação dos preceitos éticos, na orientação quanto a atividade da advocacia. Então nós temos todas essas dificuldades e, aliado a isso, a colocação dessas pessoas no mercado de trabalho num momento em que a economia brasileira está em depressão. Os desafios da OAB no que diz respeito aos profissionais que estão ingressando nos quadros, aos que já estão nos nossos quadros, aos jovens advogados, aos advogados da terceira idade são imensos diante desse contexto. Por outro lado, temos a atuação externa da advocacia que também se vê num momento de muita dificuldade. Temos uma união dos presidentes de seccionais com o Conselho Federal, mas nós estamos sendo vítimas - se assim posso dizer - de uma campanha de precarização das prerrogativas profissionais, de tentativa do cerceamento da atividade profissional, como também da OAB. A exemplo disso a tentativa de que a OAB se sujeite a controle externo do Tribunal de Contas da União, do fim do exame de Ordem e uma série de pautas legislativas que se mostram como pautas de retaliação à atitude de independência que a OAB tem e deve continuar a ter.
Como o senhor avalia a qualidade do ensino jurídico?
Erick Venâncio: Eu vou dar um exemplo do Acre que pode parecer pequeno, mas para a nossa realidade é algo imenso. No dia 17 de fevereiro, quando eu assumi a presidência da OAB-AC, tínhamos 550 vagas em cursos jurídicos na cidade de Rio Branco [capital do Acre]. Hoje, cinco meses depois, temos mil e quinhentas vagas. Ou seja, em cinco meses mais que dobramos um número de vagas que já era absurdo. Daí nós nos perguntamos: é possível em um estado com economia insipiente, sem vaga para que essas pessoas possam atuar, é razoável existir 1,5 mil vagas em cursos jurídicos em uma cidade com 250 mil habitantes? É impossível você ter qualidade dos cursos cobrando, muitas vezes, mensalidades de R$ 400. É impossível ter qualidade, um corpo docente adequado e isso, inevitavelmente, vai nos trazer muitos prejuízos.
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Qual a sua leitura em relação ao projeto de criminalização das violações das prerrogativas?
Erick Venâncio: É fundamental. Não adianta você garantir prerrogativas aos advogados e a violação dessas prerrogativas não ter qualquer repercussão no campo da responsabilização do agente público que as viola. No caso específico, acreditamos que deve haver sim essa responsabilização criminal. O agente público que viola as prerrogativas ele nada mais faz do que cometer uma espécie de abuso de autoridade porque não está respeitando aquilo que a Lei determina como garantia de uma função essencial à justiça. Essa é uma bandeira que o Conselho Federal carregou e que todas as seccionais do Brasil estão empenhadas em fazer valer essa proposta legislativa. Houve aprovação agora na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a proposta irá para a Câmara dos Deputados e nós vamos intensificar os trabalhos de convencimento e sensibilização de todos os congressistas para que possamos, dentro em breve, ter efetivada a criminalização das violações das prerrogativas profissionais dos advogados.
O STF suspendeu decisão que obrigou a OAB a prestar contas ao TCU. O que achou da medida?
Erick Venâncio: Nós entendemos, em relação à medida do Tribunal de Contas da União, como já demonstrada pela decisão da ministra do Supremo Rosa Weber, que houve uma certa precipitação do TCU ao apreciar essa questão. Foi uma decisão tomada absolutamente ao contrário daquilo que já havia sido decidido pelo STF em ação direta de inconstitucionalidade. Isso é muito representativo. Temos que reconhecer que a OAB tem que agir mais enquanto sistema. Não podemos ter seccionais que têm gestão do século XXI e outras com gestão do século XIX. Isso é um desafio que tem que ser superado e nós temos que reconhecer esses erros. Por outro lado, você não pode tentar controlar através de um organismo público, de um órgão auxiliar de controle de contas - um órgão auxiliar do Poder Legislativo - impor um controle àquela entidade que não recebe recursos público, portanto não os administra. Os recursos que mantêm a OAB são exclusivamente privados. E você não pode trazer esse controle para dentro de uma entidade que é exatamente antagonista do abuso estatal. Como você vai submeter entidades como estas a um controle de um órgão auxiliar do Poder Legislativo? Nós entendemos que essa medida é desarrazoada. A decisão da ministra Rosa Weber veio colocar as coisas no seu devido lugar e nós esperamos que no julgamento dessa medida, que foi ingressada pela OAB no Supremo Tribunal Federal, possamos definir definitivamente esse tema. É importante salientar que o Conselho Federal da OAB e as seccionais têm trabalhado incessantemente para melhorar nossos mecanismos de controle, mas mecanismos internos de controle. Temos que ter controles por parte dos advogados, temos que ter auditorias externas e internas, que já temos, para ter maior transparência. Isso não se discute. Mas esse controle não pode vir de um ente estatal.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa ganharam destaque no atual contexto político brasileiro. Para o senhor, o Direito de Defesa está em risco no país?
Erick Venâncio: Eu acho que risco não há. Espero estar certo que risco não há. Mas tentativas de fragilizar o Direito de Defesa nós temos visto todos os dias. Algumas iniciativas legislativas que, a pretexto de melhorar combate à corrupção, melhorar combate à criminalidade, tentam fazer crer que a atuação do advogado é prejudicial à sociedade. Isso nós não podemos admitir de forma alguma. A atividade do advogado que atua dentro da lei e da ética é salutar para a concretização do Estado de Direito. Porém, não podemos fazer com que a partir da atividade do advogado se queira sugerir que na sua repressão, na sua contenção vá existir qualquer melhora para a criminalidade. A única melhora que seria possível nisso seria na perspectiva do advogado que pratica crime, e advogado que pratica crime está agindo como criminoso e tem que ser tratado como tal. Esse nós não queremos. Esse mau advogado, que compactua com o crime, se alia a organizações criminosas efetivamente não queremos. Mas pegar poucos exemplos de ocorrências nesse sentido e tentar fazer crer à população de que a advocacia dificulta o combate à criminalidade, isso a OAB não aceita e não aceitará jamais.
O senhor acredita que há uma tentativa de criminalizar a advocacia?
Erick Venâncio: Não podemos negar que alguns setores tentam fazer isso. Por exemplo: fomos confrontados e atônitos vimos um projeto de lei de uma deputada do Distrito Federal que tenta fazer com que o advogado demonstre a origem dos recursos com os quais foram pagos os seus honorários. Não seria demais perguntar: será que eventualmente um criminoso que vai ao médico será exigido do médico que mostre de onde veio esse dinheiro? O supermercado será exigido ou qualquer outro prestador de serviço? O advogado não tem efetivamente a obrigação de saber de onde veio esse recurso. Obviamente, em um caso extremo em que o advogado tem certeza que aquele recurso tem origem criminosa ele tem o dever ético de recusar o pagamento daquela forma. Mas tentar transferir a responsabilidade que é do Estado para o advogado é completamente absurdo.
Qual a importância da figura do advogado no atual contexto brasileiro?
Erick Venâncio: Não foi à toa que a Constituinte elevou o advogado expressamente à condição de função essencial à Justiça. O sistema de Justiça não existe sem a advocacia. O que nos preocupa enquanto instituição é exatamente essa tentativa de tirar do advogado esse papel, a tentativa de construção de uma justiça que só há entre Ministério Público e Judiciário. Essa justiça não existe. Embora alguns tentem fazê-la vencer, mas ela não existe. O papel do advogado é exatamente o ponto de equilíbrio entre a figura do magistrado que deve julgar, que deve ser imparcial e a figura do Ministério Público que, no caso brasileiro, detém todas as forças dentro de um ambiente processual. E isso nós não podemos permitir que a aconteça. O enfraquecimento da advocacia é o enfraquecimento da nossa democracia.
Quais são os desafios que se apresentam para a OAB no momento?
Erick Venâncio: De forma muito especial, o desafio da Ordem é fazer com que a advocacia, que tem contingente crescente, não deixe de entender qual é o efetivo papel do advogado. O papel do advogado deve ser ressaltado todos os dias. A advocacia não pode achar que um tipo de justiça que ignore a atividade do advogado é justiça. O advogado tem que ter essa exata percepção e o papel fundamental instituição é fazer com que esses advogados não percam isso de vista. Estamos em uma atuação conjunta entre seccionais, Conselho Federal e subseções na tentativa de valorizar o advogado, com uma série de medidas, sejam elas internas ou na defesa da democracia e instituições democráticas. Temos que andar em paralelo no sentido de fazer com que a OAB continue a ser a mais importante entidade da sociedade civil brasileira ao mesmo tempo em que protege os advogados dada a relevante função que ocupa no campo constitucional.
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