Estadão traz artigo de Marcus Vinicius contra redução da maioridade
Brasília - O blog do jornalista Fausto Macedo, do jornal O Estado de São Paulo, publicou nesta terça-feira (30) artigo do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, sobre a redução da maioridade penal em debate na Câmara dos Deputados. Marcus Vinicius lembra que maioridade penal aos 18 anos é garantida por cláusula pétrea, "imune a qualquer proposta de reforma tendente a aboli-la". Leia a íntegra do artigo abaixo ou veja no blog do Fausto Macedo.
A política educacional como opção à ruptura constitucional
A maioridade penal aos 18 anos é uma garantia fundamental inerente ao indivíduo, posta na Carta Constitucional como valor insuprimível. É cláusula pétrea, imune a qualquer proposta de reforma tendente a aboli-la.
A alteração ao texto constitucional deve respeitar as cláusulas de eternidade, nomenclatura atribuída pela Carta Política Alemã, entre elas a previsão da maioridade penal. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de vaticinar que as cláusulas pétreas não se restringem ao artigo 5º da Constituição, quando decidiu sobre a anterioridade tributária, concluindo que não poderia ela ser mitigada, mesmo por emenda constitucional.
A questão da previsão de dispositivos constitucionais irrevogáveis se esclarece à luz da épica grega Odisseia. O guerreiro Ulisses não cedeu ao canto das sereias por estabelecer, em momento de temperança e reflexão, um pré-compromisso consigo mesmo e com seus companheiros de viagem. Tampou-lhe os ouvidos e amarrou-se ao mastro do barco para evitar que, quando irrompessem a tentação e o devaneio, se entregasse às sereias e pusesse sua jornada ao fracasso.
O mesmo entendimento se aplica à convenção de cláusulas constitucionais eternas. O povo, em um período de sobriedade e prudência intelectual, para impedir a supressão de valores fundamentais, auto-restringiu-se no sentido de evitar que, em um instante de irracionalidade política, fosse corrompida a integridade do processo democrático.
A Constituição de 1988 é expressa ao prever os direitos e garantias individuais como cláusulas pétreas. No mesmo rol da liberdade de imprensa, da igualdade de gênero e do direito ao voto, a maioridade penal aos 18 anos também se afigura uma norma constitucional inalterável.
É sabida a possibilidade do controle de constitucionalidade de norma constitucional quando fruto do Poder Constituinte derivado ou reformador. É dizer, uma emenda à Constituição pode ser declarada inconstitucional quando ferir uma cláusula pétrea ou quando não tramitar adequadamente, hipóteses de inconstitucionalidade material e formal.
Por outro lado, desrespeitar o Poder Constituinte originário ao violar garantia individual, em prejuízo da juventude brasileira, é uma grave ofensa à ordem constitucional democrática. Mais adequado do que incorrer em um debate inconstitucional será a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente ou até mesmo o seu aperfeiçoamento. Educação, esporte e trabalho, eis o trinômio que deve ser praticado.
O Estado deve cumprir sua função social de prover condições para o adolescente, e não transferir para o sistema de maioridade penal a culpa em ter falhado na manutenção da segurança pública. A redução da maioridade penal apenas desvia o debate sobre o aumento de criminalidade efetivamente provocado por ausência de investimento em segurança, falta de treinamento de policiais, proliferação do tráfico de drogas e de armas e falta de políticas suficientes de atenção aos adolescentes.
A maioridade penal não é a dificuldade a ser superada, e os números confirmam a teoria. O índice de reincidência entre os menores internados é um terço da reincidência entre os presos nas penitenciárias brasileiras. O percentual de adolescentes com 14 e 15 anos já chega a 40% dos internados. Os processos nas Varas da Infância e Juventude correm bem mais rápido dos que nas varas comuns. Todos estes dados evidenciam que a redução da maioridade para 16 anos não será uma aliada da sociedade no combate à violência.
Não podemos perder nossos jovens para o crime. Devemos acolhê-los, e não encarcerá-los. Segundo os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), porém, e na contramão do que deve ser feito, os recursos públicos destinados aos programas voltados aos jovens vêm diminuindo.
Quase quatro milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil. A opção a fazer pela sociedade é ampliar os gastos na educação ou mesmo trazer para a política educacional os recursos públicos utilizados no encarceramento de menores. Escola, e não penitenciária, é a alternativa que mais contribui para o fortalecimento de uma Nação.
Reduzir a maioridade penal é ruptura constitucional sem lugar em um regime democrático consolidado. Não é medida socialmente, politicamente ou juridicamente viável; é, pelo contrário, um atentado ao Estado de Direito e aos valores de humanidade e solidariedade com a infância e a juventude brasileira.
Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Fonte: CFOAB
A política educacional como opção à ruptura constitucional
A maioridade penal aos 18 anos é uma garantia fundamental inerente ao indivíduo, posta na Carta Constitucional como valor insuprimível. É cláusula pétrea, imune a qualquer proposta de reforma tendente a aboli-la.
A alteração ao texto constitucional deve respeitar as cláusulas de eternidade, nomenclatura atribuída pela Carta Política Alemã, entre elas a previsão da maioridade penal. O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de vaticinar que as cláusulas pétreas não se restringem ao artigo 5º da Constituição, quando decidiu sobre a anterioridade tributária, concluindo que não poderia ela ser mitigada, mesmo por emenda constitucional.
A questão da previsão de dispositivos constitucionais irrevogáveis se esclarece à luz da épica grega Odisseia. O guerreiro Ulisses não cedeu ao canto das sereias por estabelecer, em momento de temperança e reflexão, um pré-compromisso consigo mesmo e com seus companheiros de viagem. Tampou-lhe os ouvidos e amarrou-se ao mastro do barco para evitar que, quando irrompessem a tentação e o devaneio, se entregasse às sereias e pusesse sua jornada ao fracasso.
O mesmo entendimento se aplica à convenção de cláusulas constitucionais eternas. O povo, em um período de sobriedade e prudência intelectual, para impedir a supressão de valores fundamentais, auto-restringiu-se no sentido de evitar que, em um instante de irracionalidade política, fosse corrompida a integridade do processo democrático.
A Constituição de 1988 é expressa ao prever os direitos e garantias individuais como cláusulas pétreas. No mesmo rol da liberdade de imprensa, da igualdade de gênero e do direito ao voto, a maioridade penal aos 18 anos também se afigura uma norma constitucional inalterável.
É sabida a possibilidade do controle de constitucionalidade de norma constitucional quando fruto do Poder Constituinte derivado ou reformador. É dizer, uma emenda à Constituição pode ser declarada inconstitucional quando ferir uma cláusula pétrea ou quando não tramitar adequadamente, hipóteses de inconstitucionalidade material e formal.
Por outro lado, desrespeitar o Poder Constituinte originário ao violar garantia individual, em prejuízo da juventude brasileira, é uma grave ofensa à ordem constitucional democrática. Mais adequado do que incorrer em um debate inconstitucional será a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente ou até mesmo o seu aperfeiçoamento. Educação, esporte e trabalho, eis o trinômio que deve ser praticado.
O Estado deve cumprir sua função social de prover condições para o adolescente, e não transferir para o sistema de maioridade penal a culpa em ter falhado na manutenção da segurança pública. A redução da maioridade penal apenas desvia o debate sobre o aumento de criminalidade efetivamente provocado por ausência de investimento em segurança, falta de treinamento de policiais, proliferação do tráfico de drogas e de armas e falta de políticas suficientes de atenção aos adolescentes.
A maioridade penal não é a dificuldade a ser superada, e os números confirmam a teoria. O índice de reincidência entre os menores internados é um terço da reincidência entre os presos nas penitenciárias brasileiras. O percentual de adolescentes com 14 e 15 anos já chega a 40% dos internados. Os processos nas Varas da Infância e Juventude correm bem mais rápido dos que nas varas comuns. Todos estes dados evidenciam que a redução da maioridade para 16 anos não será uma aliada da sociedade no combate à violência.
Não podemos perder nossos jovens para o crime. Devemos acolhê-los, e não encarcerá-los. Segundo os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), porém, e na contramão do que deve ser feito, os recursos públicos destinados aos programas voltados aos jovens vêm diminuindo.
Quase quatro milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil. A opção a fazer pela sociedade é ampliar os gastos na educação ou mesmo trazer para a política educacional os recursos públicos utilizados no encarceramento de menores. Escola, e não penitenciária, é a alternativa que mais contribui para o fortalecimento de uma Nação.
Reduzir a maioridade penal é ruptura constitucional sem lugar em um regime democrático consolidado. Não é medida socialmente, politicamente ou juridicamente viável; é, pelo contrário, um atentado ao Estado de Direito e aos valores de humanidade e solidariedade com a infância e a juventude brasileira.
Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Fonte: CFOAB