Conferência: Especialistas discutem presente e futuro da advocacia após cenário de pandemia e incertezas políticas
Debates integraram a programação da Conferência Estadual da Advocacia Baiana 2021 na manhã desta quinta (05)
A pandemia gerou mudanças na vida da sociedade, e o mercado de trabalho foi um dos impactados com o imediato e crescente avanço tecnológico. Na manhã desta quinta-feira, 05/08, a Conferência Estadual da Advocacia Baiana 2021 foi aberta com debate sobre Audiências, Julgamentos Virtuais e o Futuro da Advocacia, em conversa mediada pelo advogado Luiz Rabelo, membro do Conselho Consultivo da Jovem Advocacia da OAB/BA. O painel discutiu as adaptações, trazendo novidades positivas e dificuldades deste novo cenário.
Tamiride Monteiro, presidente da Comissão de Tecnologia da OAB/BA, defendeu a integração de sistemas para maior celeridade no desenvolvimento do trabalho. A advogada destacou que hoje há mais de 56 sistemas nominais de peticionamento eletrônico no país, além de cinco versões no Projudi – o que afeta, principalmente, advogados que atuam em diferentes estados.
Ela também alertou que não há segurança efetiva nestes sistemas, principalmente em audiências de videoconferência, o que pode provocar vazamento de dados sensíveis dos clientes, que devem ter sigilo garantido. “A falha do Tribunal é muito grave, pois ficamos reféns de provedores de aplicação”, explica, se referindo ao conteúdo depositado de maneira privada no YouTube.
O palestrante Fabrício Moreira, presidente da subseção de Itapetinga da OAB/BA, também falou sobre as transformações tecnológicas para a advocacia geradas pela pandemia, reforçando o trabalho dispensado aos advogados de conhecer inúmeras plataformas e sistemas para a realização do trabalho. “Não podemos medir toda a classe advocatícia pela régua dos nossos experts [em tecnologia] que estão aqui neste painel”, explicou.
O advogado frisou que, mesmo com tantas ferramentas eletrônicas à disposição do judiciário, o andamento do trabalho ficou pior. “Processos que se arrastavam por anos a fio permaneceram por mais de 500 dias praticamente paralisados, 500 dias sem audiência de instrução em vários cartórios da Bahia, 500 dias sem atendimento presencial, enquanto todos os demais serviços disponíveis à sociedade tinham seu andamento continuado. Eu me pergunto: onde está a tão avançada tecnologia à serviço do judiciário?”, questionou, pedindo atuação ativa e urgente para resguardar a essencialidade constitucional da advocacia para a administração da justiça.
Palestrantes destacam importância de técnicas de oratória, cumprimento de ética e etiqueta no ambiente virtual
A advogada e professora de oratória Giovanna Piacentini, coordenadora da Comissão da Mulher Advogada da OAB de São José do Rio Preto/SP, também participou do painel, dando dicas de oratória que devem ser aplicadas nas audiências virtuais, para romper barreiras e ser compreendido em sua plenitude, mesmo com o distanciamento presencial.
Entre as dicas, estão a preparação de um roteiro e contexto da fala, o cenário de fundo das transmissões e a vestimenta adequada ao trabalho proposto, já que discurso e imagem comunicam a todo o tempo. Para ter maior atenção durante a fala, é importante também evitar distrações do ouvinte, fugindo de locais com ruídos e até mesmo limpando a webcam, para que as pessoas consigam efetivamente prestar atenção ao que se está dizendo.
A especialista destaca que o enquadramento da câmera também é importante, e o ideal é deixar as mãos visíveis, para que gestos possam reforçar o que está sendo dito. Deve-se prestar atenção na dicção, com pronúncia limpa das palavras, já que se depende de uma conexão estável para transmissão sem cortes, além de manter contato visual com a câmera, para dar a impressão a quem está ouvindo que você está olhando em seus olhos. “Não basta a gente ser bom, a gente precisa parecer bom”, afirmou.
O palestrante José Augusto Araújo de Noronha, diretor-tesoureiro da CFOAB, também defendeu a necessidade do cumprimento de uma ética e de uma etiqueta nos processos e apresentações virtuais, reforçando que muitas das evoluções dos processos da audiência se manterão após a pandemia, quando possivelmente o trabalho ocorrerá de maneira híbrida.
Para ele, são vantagens do novo formato a democratização do acesso à justiça, aumento no número de sustentações orais, celeridade nas cartas precatórias e a possibilidade de exercer a profissão durante a pandemia. O mediador Luiz Rabelo completou: “A dificuldade não pode ser enxergada como um momento de desistência, e sim de revolução, de inovação, e de oportunidades”.
Painel discute o presente e o futuro da democracia brasileira
Às 10 horas, os palestrantes Cezar Britto, Cléa Carpi e Milton Jordão discutiram Presente e Futuro da Democracia Brasileira, resgatando o passado e o papel da OAB na luta e defesa do estado de direito democrático. A conferência aconteceu na sala 2, painel 18, e foi mediada por Esmeralda Oliveira, membro da Comissão de Relações Institucionais da OAB/BA.
A palestrante Cléa Carpi, Conselheira Federal da OAB e ex-presidente da OAB/RS, fez um resgate histórico da importância permanente da Ordem dos Advogados em todo o processo de democracia instaurado no país, sempre na luta pela igualdade social e pelos direitos humanos, impedindo que conquistas essenciais sejam suprimidas, em toda a sua história. “Foram muitos os caminhos da entidade, sempre no sentido da restauração, da defesa, da consolidação da democracia e da liberdade”, afirmou.
O advogado Cezar Britto, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz e ex-presidente nacional da OAB, citou que a história de luta da Bahia acontece há muitos anos, a exemplo da importância dos baianos na independência do Brasil, celebrada no estado no 2 de Julho, e que é fruto da resistência de diversos personagens marcantes, a exemplo de Maria Quitéria, que atuou contra o sistema patriarcal e lutou bravamente nas batalhas.
O palestrante explicou que a defesa da democracia pela advocacia teve força alguns anos mais tarde, quando surgiu o IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, que teve papel importante contra a escravidão e na elaboração das constituições. Posteriormente, surgiu a OAB, que possui uma história marcada por essa luta. “Nós vencemos a ditadura e essa geração tem o dever de manter a democracia para as próximas gerações”, afirmou, em crítica ao atual governo federal e àqueles que defendem a volta do AI5, por exemplo.
Para Milton Jordão, diretor-tesoureiro da CAAB Bahia, a advocacia é “um mantra de resistência à opressão, como um espaço livre de criação e cultivo dos valores constitucionais, secularizados por nossa cultura, pautada na liberdade”. O advogado explicou que desde a constituição primária há supressão de índios, da voz do negro e manifestações inúmeras das províncias buscando a sua liberdade.
Milton afirmou que o que se vive hoje, com um presidente que desrespeita a democracia, critica o sistema eleitoral e faz ode a torturadores coloca em risco o direito a garantias individuais. “Defender a ética, a boa convivência e o respeito às leis não significa suprimir a liberdade”, pontuou, finalizando: “Só se fala mal da liberdade porque se tem liberdade para falar”.
Foto: Angelino de Jesus (OAB-BA)