Notícias

Advogados comentam as interferências do AI-5

Com a balança de força dos Três Poderes tendendo para o Executivo, e o Supremo Tribunal Federal vigiado e monitorado, advogados da época do regime militar avaliam como foi a atuação desses profissionais durante esse período.

“A pressão do regime foi brutal. Muitos advogados se intimidaram. A qualquer momento seu escritório poderia ser invadido pela polícia”, lembra o advogado Sérgio Bermudes, que começou a atuar no ano de 1969, em plena ditadura militar.

A instituição do Ato Institucional número 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968, interferiu diretamente na atuação dos advogados. Desde o AI-2, promulgado em 27 de outubro de 1965, os acusados de crime político passaram a ser julgados pela Justiça Militar. A principal consequência do AI-5 sobre o Poder Judiciário foi a proibição do habeas corpus para crimes políticos.

Durante os 10 anos em que vigorou, o AI-5 fechou o Congresso Nacional, endureceu a censura e proibiu qualquer tipo de reunião de cunho político. “No clima de caça às bruxas, cabe uma reflexão sobre o quanto se prendeu, torturou, matou, baniu nesse País. Quanta violência foi praticada por causa do medo de que alguém fosse comunista”, ressalta Bermudes.

O caso do jornalista Wladimir Herzog, morto em 1975 nas dependências do DOI-CODI em São Paulo foi um dos casos de repressão pelo regime militar que ficaram a cargo do advogado Sérgio Bermudes. Na época, Bermudes, juntamente com os advogados Heleno Fragoso, Marco Antônio Barbosa e Samuel McDowell de Figueiredo, questionaram, a pedido da família do jornalista, a versão do governo de que Herzog teria se suicidado.

Na última terça-feira (13), o processo de investigação da morte do jornalista foi arquivado pela 1ª Vara Criminal de São Paulo. A decisão considera que o crime já está prescrito e que não pode ser classificado como crime contra a humanidade.

Represália

Com relação à aposentadoria de três ministros da Corte, Sérgio Bermudes conta que “eles sofreram represália, porque o governo militar começou a questionar a imparcialidade das decisões dos ministros Hermes Lima, Evandro Silva e Victor Nunes Leal”. “Os ministros eram democratas por formação. Se examinar os votos concedidos por eles, não se encontra nada que mostre um tendenciosismo”, ressalta.
Bermudes destaca a coragem do ministro Victor Nunes Leal, que segundo o advogado, nunca deixou de aplicar a lei com receio da repressão. “O ministro soube que tinha sido aposentado ouvindo a Voz do Brasil. Ele estava em sua casa discutindo com o presidente da Xerox um contrato para modernizar o Supremo (em termos de tecnologia), quando escutou a notícia pelo rádio. O que mais impressionou o empresário foi a ‘tranquilidade’ do ministro”, lembra.

Liberdade

O advogado Pedro Gordilho também comentou o trabalho exercido pelos advogados durante o regime militar, lembrando que estes profissionais atuavam com liberdade. “A tentativa concreta de enquadrar a OAB, colocando-a sob a fiscalização do TCU, não teve sucesso, em virtude de parecer contrário do então consultor-geral da República, depois ministro do STF, Rafael Mayer”, disse.

De acordo com Pedro Gordilho, a ditadura cerceou as liberdades públicas através de uma legislação que procurava afastar, do âmbito do Poder Judiciário, certas situações que, do ponto de vista do regime, não poderiam correr os riscos inerentes ao embate judicial.

Gordilho ressaltou que os advogados podiam exercer livremente seu compromisso institucional, mas a legislação vigente como, por exemplo, atos institucionais e leis especiais, “vedava que determinadas situações, protegidas pelos princípios garantidores do exercício dos direitos, fossem levadas à apreciação dos Tribunais”.

“Nas poucas vezes em que foi possível ao Poder Judiciário julgar procedimentos – em que o regime militar preferia vê-los fora do contencioso judicial – Brasil mostrou ao mundo que nossos juízes não temiam represálias, mesmo sem as garantias da magistratura, então suspensas”, afirmou o advogado. Ele exemplificou, recordando o Mandado de Segurança (MS) concedido ao Semanário "Opinião", pelo antigo Tribunal Federal de Recursos (TFR); a decretação da ilegalidade da detenção de empresários, mediante Portaria, com suspeita de sonegação do IPI, pelo STF; e a procedência da ação ordinária da indenização contra a União, no caso Vladimir Herzog.

Direito de defesa

Ao falar sobre o assunto, o advogado Arnold Wald disse que à época do AI-5 além de atuar na advocacia, lecionava Direito Civil na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ele contou que, durante aquele período, foi chamado em diversas ocasiões para defender várias pessoas.

“Uma das situações mais importantes que tivemos naquele momento foi o habeas corpus em que se discutiu pela primeira vez a concessão de medida liminar”, lembrou Wald, ressaltando ter advogado nesse processo que envolvia a prisão de um antigo presidente da Caixa Econômica Federal motivada por ato de autoridades militares.

Ele explicou que, pela tradição brasileira, antigamente não se admitia medida liminar em habeas corpus, no entanto, o ministro do STF Gonçalves de Oliveira concedeu liminar ao entender que naquele momento político por que passava o país era preciso deferir a liminar. A decisão do ministro considerada por Wald como “favorável a liberdade individual”, foi, posteriormente, confirmada pelo Plenário da Corte.

O advogado também rememorou situação em que ele foi convidado para ser paraninfo de uma turma e o professor Roberto Lyra, penalista conhecido, para patrono. Quando chegaram ao local da formatura, foram recepcionados por uma salva de palmas. Os alunos pensaram que não se formariam por falta de paraninfo e patrono, uma vez que tinham a notícia de que Wald e Lyra teriam sido presos.

Segundo ele, essa informação deveu-se ao fato de que ambos fariam um “discurso que poderia não ter sido totalmente do agrado do governo”. Além disso, informou que Lyra era um homem de esquerda e Wald diretor do jornal Correio da Manhã, que fazia oposição ao governo militar.

Arnoldo Wald afirmou que participou do Conselho Federal da OAB com sede, à época, no Rio de Janeiro. “Tivemos ameaças e problemas muitos sérios”, salientou, ao informar que vários membros da Ordem foram presos, mas que a entidade reagiu “com muita hombridade”. Ele também destacou ato de terrorismo que ocasionou no falecimento de uma secretária em razão de uma bomba enviada ao secretário do Conselho Federal da Ordem.
 
“Era muito complicado atuar naquela época, especialmente porque o regime militar, a polícia e o Exército não tinham nenhum limite na sua atuação e a reação que se tinha era a reação do Poder Judiciário, mas que inclusive tinham certas limitações naquilo que podia fazer”, disse. Segundo o advogado, houve muita coragem por parte dos juízes, dos ministros do Supremo e também do STM. “O Superior Tribunal Militar tinha sido um tribunal mais apagado, mas naquele momento se revelou um tribunal importante na defesa dos direitos individuais”, recordou.

De acordo com Arnoldo Wald, muitas são as lições que se pode aprender a partir da análise do AI-5. Uma delas é a de que “nunca se pode transigir com o Estado de Direito. Este é a condição básica de existência pacífica do país e de seu desenvolvimento econômico”. Ele avaliou que qualquer mudança não pode desrespeitar o Estado de Direito, por mais útil e necessária que ela possa parecer.
 
O advogado considerou, ainda, que a luta pelo Estado de Direito é de cada cidadão, apesar de algumas pessoas terem o dever maior, como de um lado os magistrados e de outro os colaboradores da Justiça, que são o Ministério Público e a advocacia.

“O importante é que as entidades de classe, hoje, já reconhecem esse papel do Estado de Direito”, afirmou Wald, ao fazer menção às várias manifestações de entidades importantes, como a FIESP, no sentido de defender a segurança jurídica. “Hoje já se consolidou a ideia de a segurança jurídica ser um princípio realmente constitucional. Não há liberdade sem segurança jurídica e Estado de Direito. Essa é a lição que aprendemos e tenho a impressão de que não esqueceremos”, concluiu.
Anistia

O AI-5 foi revogado em 1978, pelo então presidente Ernesto Geisel. E no início da década de 80, a ditadura militar chegou ao fim. “O desfecho positivo propiciou a abertura democrática, que, na sequência, desembocou na anistia, no fim da censura, nas eleições diretas para governador e presidente da República e na Constituinte”, avalia o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.

Os resquícios dos chamados “Anos de Chumbo” ainda persistem. A Justiça analisa vários processos questionando decisões sobre a ditadura. Entre eles, destacam-se a quebra do sigilo dos documentos da ditadura e a revisão da Lei de Anistia (Lei nº 6.683/79), que perdoou os crimes políticos cometidos durante a ditadura.

A OAB defende a responsabilização criminal dos militares que praticaram tortura durante a ditadura. A entidade impetrou em outubro do ano passado a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153 pedindo a revisão da Lei de Anistia.

O caso gerou polêmica dentro do Poder Executivo. A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério da Justiça entendem que a anistia não abrange os crimes de tortura. A Advocacia Geral da União entende o contrário.

O pedido de revisão da Lei de Anistia está sendo analisado pelo Supremo. O relator é o ministro Eros Grau.

AT/EC//AM