Notícias

Sob vaias e aplausos Gilmar Mendes é sabatinado

Por Lilian Matsuura

Gilmar Mendes, o presidente do Supremo Tribunal Federal,  causa polêmica até quando não fala. Na sabatina organizada pela Folha de S.Paulo, nesta terça-feira (24/3), o ministro se eximiu de dar sua opinião sobre o delegado Protógenes Queiroz e o juiz federal Fausto Martin De Sanctis. Sua negativa foi saudada com vaias de parte da plateia e com gritos irados de um espectador: “Como não vai se manifestar? Você ficou famoso por causa do Protógenes e do De Sanctis!”.

O professor de geografia Maurício Costa, que preferiu se apresentar como “cidadão brasileiro revoltado”, também ficou revoltado, não com o silêncio mas com os atos do presidente do Supremo. Enquanto o ministro dava autógrafos aos admiradores, o professor-cidadão, exaltado, pedia explicações sobre “absurdos” que ele atribuía ao ministro. Costa queria porque queria saber porque o ministro concedeu os Habeas Corpus que deixaram em liberdade o banqueiro Daniel Dantas e porque Gilmar Mendes andou falando que o MST recebe dinheiro público para cometer ilegalidades.

Como um popstar, Gilmar Mendes foi recebido no Teatro Folha para ser sabatinado por um grupo de jornalistas e por cidadãos que se inscreveram para o ato. O auditório, lotado em sua capacidade de 300 lugares, estava dividido: metade contra e metade a favor do entrevistado, cada grupo exercendo o seu direito de vaiar e aplaudir intensamente.


Entre os que eram contra, se alinhava entre os mais aguerridos um grupo de adolescentes (e outros não tão adolescentes assim)  portando bandeiras da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e cartazes de apoio ao delegado Protógenes Queiroz e de crítica a Gilmar Mendes. O grupo fez muito barulho à porta do teatro Teatro Folha mas não teve acesso ao auditório. Eles não conseguiram cumprir uma formalidade burguesa que impediu sua entrada no debate: perderam o prazo de inscrição para o evento. Quando começaram a gritar “fascista, criminoso”, o segurança fechou a cortina preta que dividia em duas partes o corredor de acesso ao auditório  e jogou o corpo para frente. Nenhum manifestante passou da barreira humana de um homem só.

Fora do teatro, os protestos contra o presidente do Supremo Tribunal Federal continuaram, com a exibição de cartazes que pediam "cassação de Gilmar Mendes já" e com um refrão ecoando por um megafone. “Ô Gilmar Mendes, que papelão! Solta banqueiro sabendo que é ladrão”. A manifestação terminou quando ficou claro que o homenageado não passaria por lá e quando os repórteres apagaram os holofotes e desligaram as câmaras.

Do lado a favor, boa parte dos que foram prestigiar o presidente do Supremo tem nome e sobrenome com trânsito nas mais bem cotadas rodas do mundo do Direito e da Justiça. O advogado criminalista Alberto Zacharias Toron sentou ao lado do ex-presidente da Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo) Marcio Kayatt. Ao longo do debate, fizeram comentários favoráveis às posições do ministro. O advogado Manuel Alceu também estava presente, na primeira fileira, ao lado da mulher, a apresentadora Cacilda Decoussau. A estudiosa do Judiciário, Maria Tereza Sadek, chegou cedo para acompanhar o debate.

A sabatina

A bancada de entrevistadores, que supostamente não deveria tomar partido a favor ou contra o entrevistado, foi formado pelos colunistas da Folha Fernando Rodrigues, Eliane Cantanhêde, Mônica Bergamo e Renata Lo Prete. O debate foi tenso. Com a plateia dividida, perguntas provocativas dos jornalistas eram aplaudidas, bem como repostas ácidas e irônicas do ministro. Gilmar Mendes se mostrou nervoso em vários momentos — tomou quase 1,5 litro de água, em duas horas —, mas estava com a língua afiada. Os entrevistadores não perderam oportunidade de provocar o entrevistado, mas se comportaram com civilidade.


A colunista Mônica Bergamo perguntou sobre a liberdade de Daniel Dantas. O presidente do Supremo disse que o objetivo do segundo pedido de prisão do banqueiro foi uma tentativa de desmoralizar a corte. Tentativa, segundo ele, feita pelo consórcio formado pelo juiz Fausto Martin De Sanctis, pelo delegado Protógenes Queiróz e pelo promotor Rodrigo De Grandis. Gilmar Mendes justificou a acusação com o fato de que, no momento mesmo em que foi concedida a liberdade ao banqueiro, o novo pedido de prisão já estava pronto.

Quando a jornalista passou a interferir na resposta e argumentar em favor da prisão de Dantas, ele disse sorrindo: “Eu entendo a sua torcida, Mônica”. A turma a favor gostou.

Rico x pobres

Eliane Cantanhêde provocou o ministro ao dizer que ele se apressou para conceder o Habeas Corpus a Daniel Dantas e depois para criticar o MST. “Sempre a favor do rico e contra o pobre”, analisou a jornalista, recebendo o apoio da turma do contra. Dessa, Gilmar Mendes se safou sem perder a tranquilidade. Ele contou que 18 Habeas Corpus foram julgados a favor de pessoas presas  por crimes de pequena monta, como roubo de chinelo e sabonetes. “Esses casos não têm espaço na sua coluna, não é Eliane”, alfinetou o ministro.

Ele lembrou ainda da criação dos mutirões do Conselho Nacional de Justiça nos presídios, iniciativa da sua gestão, e que se propõe a tirar das prisões os detentos que já cumpriram pena, mas que por falta de advogado não são colocados em liberdade. Como se sabe, preso de colarinho branco não é esquecido na cadeia.

Opiniões e grampos

Os entrevistadores não se esqueceram de lembrar a popularidade crescente do presidente do Supremo. Renata Lo Prete lembrou o fato de Gilmar Mendes estar sempre nos jornais e telejornais criando polêmicas com  “regularidade semanal”. Como presidente do STF, explicou o ministro, tem responsabilidades políticas. “Não parece ser extravagante emitir opiniões. Haveria excesso se eu adiantasse um voto. É normal aquilo que venho fazendo”, disse.

Gilmar Mendes voltou a se irritar ao ser questionado sobre o fato de não ter apresentado o áudio da conversa que teve com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e que foi publicada na revista Veja, como prova de que a Polícia Federal e Abin estariam grampeando o telefone de autoridades. “Essa é uma coisa engraçada e maldosa. Eu sou vítima do grampo e tenho que apresentar o áudio?”, disse.

O ministro revelou que na conversa com o presidente Lula sobre o vazamento do diálogo com o senador, o chefe do Executivo brasileiro disse: “Vou sugerir ao Paulo Lacerda [ex-diretor-geral da Abin] que processe a Veja”. A Agência Brasileira de Inteligência é suspeita de fazer o grampo ilegal e também de vazar seu conteúdo para a revista. Se o presidente fez a sugestão, ela não foi acatada.

Em outro momento, Renata Lo Prete, ao comentar a polêmica da extradição de Cesare Battisti e as críticas feitas ao MST, perguntou se Mendes e o presidente Lula falam a mesma língua. “Acho que nos entendemos bem em português”, ironizou. Gilmar Mendes também fala inglês e alemão. A sabatina durou duas horas e foi transmitida, ao vivo, pela TV Justiça.