Ophir: se advogado for calado, é a cidadania que será calada
Brasília – O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, classificou como "lamentável" a posição do relator da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal (conhecida como caso mensalão), ministro Joaquim Barbosa, que defendeu, nesta quarta-feira, que a Corte enviasse à OAB representação contra três advogados que pediram sua suspeição para julgar o processo.
Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o presidente da OAB disse entender que os advogados não ofenderam o ministro pessoalmente. Para Ophir, os profissionais atuaram conforme determina sua consciência no exercício de suas prerrogativas, postas a serviço do direito de defesa de seus clientes. "É lamentável essa reação do ministro Joaquim Barbosa. Não houve ofensa pessoal. Se o advogado for calado, é a cidadania que será calada. Não se pode restringir o exercício da ampla defesa", disse o presidente da OAB.
Durante o julgamento, ainda nesta quarta-feira, o ministro Celso de Mello, ao votar pela rejeição da proposta de Joaquim Barbosa, afirmou: "o Poder Judiciário jamais poderá permitir que se cale a voz do advogado".
A seguir a íntegra da matéria jornalística, de autoria dos repórteres Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar:
"O Poder Judiciário jamais poderá permitir que se cale a voz do advogado". A afirmação foi feita nesta quarta-feira (15/8) pelo decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, ao rejeitar uma proposta de Joaquim Barbosa (foto), relator da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Barbosa propôs que a Corte enviasse à Ordem dos Advogados do Brasil uma representação contra três advogados que levantaram sua suspeição para julgar o processo.
O pedido de suspeição de Barbosa foi feito pelos advogados Antônio Sérgio Pitombo, Leonardo Magalhães Avelar e Conrado Gontijo, por conta de opiniões sobre a ação emitidas pelo ministro em entrevista concedida ao jornal O Estado de S.Paulo, reproduzida pela revista Consultor Jurídico (clique aqui para ler).
"Faço com muita tristeza porque essa preliminar diz respeito a ataques puramente pessoais", disse o relator ao propor o envio de representação à OAB.
De acordo com ele, os advogados levantaram "dúvidas quanto à imparcialidade do ministro relator" e afirmaram, "em síntese", que teria "agido de forma parcial, proferindo decisões midiáticas". Para Barbosa, os advogados "ultrapassam o limite da deselegância e da falta de lealdade e urbanidade que se exige das partes do processo".
O advogado Antônio Sérgio Pitombo foi à tribuna para esclarecer que sua intenção não foi ofender pessoalmente o relator. "Vossa Excelência ofendeu esta Corte", disse Joaquim Barbosa que não deu a palavra ao advogado para que fizesse esclarecimentos. O relator interrompeu o advogado, afirmando que ele teve a chance no momento da sustentação oral, mas preferiu "esconder do grande público" as ofensas dirigidas a ele.
Sem citar a ConJur, o ministro disse que os advogados usaram a reprodução da entrevista, em vez de ir ao original. E criticou o site: "É clara a renitente campanha de ataques pessoais que esse suposto site jurídico move contra a minha pessoa". O ministro também afirmou que o título do texto tinha "teor manifestamente sensacionalista e tendencioso".
Por unanimidade, os ministros rejeitaram a suspeição de Joaquim Barbosa para julgar o processo. Mas, por nove votos a dois, disseram que não cabia à Corte enviar representação contra os advogados para a OAB. Com exceção de Luiz Fux e de Barbosa, a maioria dos ministros votou pelo afastamento da questão preliminar, destacando o risco de se violar as prerrogativas profissionais dos advogados por conta de uma questão que poderia ser tomada como pessoal."As prerrogativas profissionais dos advogados representam emanações da própria Constituição Federal", esclareceu o ministro Celso de Mello.
Os ministros observaram que cabe à própria Ordem dos Advogados do Brasil verificar se houve ou não impostura por parte dos advogados. O ministro Dias Toffoli lembrou ainda que é tradição da corte não proceder com iniciativas de tal caráter. O ministro Ricardo Lewandowski, ao rejeitar a o pedido de Barbosa, mencionou a "ampla liberdade" daqueles que se ocupam do exercício da defesa em uma ação penal.
Vencido, o ministro Joaquim Barbosa não se deu por satisfeito. Cobrou seus colegas, interpelando até mesmo o decano, Celso de Mello, e depois disse: "Cada país tem a Justiça que merece. Uma justiça que se deixa atacar, que se deixa ameaçar. Como brasileiros, parece que temos que carregar certas taras antropológicas, como essa do bacharelismo. A corte suprema do país, diante de uma agressão clara contra um dos seus membros, entende que isso não tem nenhuma significação".
O presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, saiu em defesa do advogado e classificou como "lamentável" a posição de Barbosa. "No exercício da defesa, o advogado atuou conforme determina sua consciência e diante dos fatos. É lamentável essa reação do ministro Joaquim Barbosa. Não houve ofensa pessoal. Se o advogado for calado, é a cidadania que será calada. Não se pode restringir o exercício da ampla defesa", disse o presidente da OAB.
Em seguida, os ministros continuaram votando outras questões preliminares. No total, foram 18. A certa altura, o ministro Joaquim Barbosa, justificando o ritmo no exame das questões postas pelos advogados, disse: "Quero eliminar as abobrinhas".