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OAB: ônus da crise econômica não pode recair sobre classe trabalhadora

Brasília, 09/03/2009 - Em discurso comemorativo à segunda milésima sessão realizada pelo Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, abriu a reunião de hoje  (09) reafirmando o compromisso da entidade "com a defesa dos ideais da Constituição Cidadã, de 1988, cujas intenções generosas e humanitárias ainda estão por se materializar". Britto disse que a OAB continua a dar sua contribuição ao desenvolvimento político e social do Brasil, mas advertiu que a entidade "está preocupada com os reflexos da crise financeira internacional e empenhada em impedir que, mais uma vez, o ônus dos desacertos seja debitado a quem não os praticou: a classe trabalhadora".

Nesse sentido, Cezar Britto afirmou que, neste momento em que empresas e bancos batem à porta do Estado para pedir socorro financeiro, é dever da entidade dos advogados exigir que tal auxílio ocorra mediante a adoção de uma cláusula social: a manutenção do nível de emprego. "Dinheiro do Estado é dinheiro público - e só pode ser gasto no interesse do público", sustentou o presidente nacional da OAB, durante o pronunciamento para os conselheiros ao registrar a sessão plenária de número 2000 do Conselho Federal da entidade.

A seguir, a íntegra do discurso do presidente nacional da OAB sobre a segunda milésima sessão  da entidade:

Advogadas e advogados, Colegas do Conselho Federal

É com muita alegria que inicio esta sessão informando que se trata de uma sessão histórica: é a duo-milésima sessão deste Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Entre a primeira, que marcou a sua instalação, no Rio de Janeiro, em 9 de março de 1933, sob a presidência de Levi Carneiro, e esta de hoje, em Brasília, chegamos ao número dois mil.

Não há dúvida de que é uma data marcante, que fixa uma larga trajetória cívica de 76 anos, que perpassa período decisivo da história de nossa República. Desde então, o Brasil alternou períodos sucessivos de autoritarismo e de democracia, nos quais a OAB jamais esteve omissa.

Pode ter cometido erros, inerentes à condição humana, mas jamais fugiu à sua responsabilidade de guardiã dos interesses da sociedade, da advocacia e da democracia.

Sempre que constatou alguma opção equivocada - e seria ingenuidade supor que não as teve -, tratou de corrigir rumos, em defesa dos ideais da justiça, da liberdade e do Estado democrático de direito, sempre ao lado da cidadania.

Há quem julgue desimportante celebrar datas aniversárias, evocar acontecimentos do passado. Penso de outra forma. Acho que são importantes na medida em que nos fazem avaliar os desafios vencidos e os por vencer. É uma pausa para meditação.

De lá para cá, foram cinco Constituições - a de 1934, a de 1937, a de 1946, a de 1967 e a de 1988 -, cada qual retratando o período em curso.

Cada qual representava um desafio: ou um Estado autoritário a ser superado - casos das de 1937 e 1967 - ou um Estado democrático, a ser consolidado, casos das de 1934, 1946 e 1988. A OAB - e o exame dos anais das reuniões deste Conselho mostrará - sempre buscou a via democrática.

Se hesitou ou se equivocou em algum momento - e a história mostra que sempre há esses momentos - corrigiu os rumos tão logo se apercebeu de que os interesses da cidadania estavam em outra direção.

Tornou-se, por isso mesmo, carro-chefe em dois processos de redemocratização do país: o que pôs fim ao Estado Novo, em 1945, e o que pôs fim ao regime militar de 1964.

Na milésima sessão, em 25 de abril de 1961, sob a presidência de José Eduardo do Prado Kelly, no Rio de Janeiro, vivia o país o início do governo Jânio Quadros, cuja renúncia intempestiva o mergulharia, quatro meses depois, em sucessivas crises políticas que desaguariam no golpe militar de 1964. Nos 20 anos seguintes, viveria o país sob o regime autoritário, cuja flexibilização, que abriria caminho pacífico para a redemocratização, teve nesta Ordem dos Advogados o seu braço mais atuante, por meio do inesquecível Raymundo Faoro.

Foi ele quem conduziu o diálogo da sociedade civil com o poder militar, na década dos 70, obtendo o restabelecimento do habeas corpus, o fim da censura e o fim do AI-5, sem os quais a redemocratização não teria sido pacífica, nem teríamos chegado onde estamos.

As atas das sessões da OAB contam essa bela e sofrida história, que é a história contemporânea do Brasil.

Hoje, nesta duo-milésima sessão, estamos aqui em defesa da consolidação dos ideais da Constituição Cidadã, de 1988, cujas intenções generosas e humanitárias ainda estão por se materializar.

E é este o desafio que temos presente nesta etapa de nossa História, de superação de desigualdades sociais, promovida a partir da própria sociedade, com seus movimentos e organizações, sem o paternalismo de partidos ou do poder econômico.

É com base nessa realidade, que ajudou a moldar, que a OAB continua a dar sua contribuição ao desenvolvimento político e social do Brasil, preocupada com os reflexos da crise financeira internacional, empenhada em impedir que, mais uma vez, o ônus dos desacertos seja debitado a quem não os praticou: a classe trabalhadora.

Neste momento em que empresas e bancos batem às portas do Estado para pedir socorro financeiro, é nosso dever exigir que esse auxílio se dê mediante a adoção de uma cláusula social: socorro para enfrentar a crise, sim - mas mediante compromisso com a manutenção do nível de emprego. Dinheiro do Estado é dinheiro público - e só pode ser gasto no interesse do público.

Capitalismo com seguro estatal, não. Penso que, com esse posicionamento, honramos esse patrimônio moral e político expresso nas duas mil sessões deste Conselho, que hoje completamos.

Parabéns à OAB. Muito obrigado.