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O Judiciário precisa praticar a ética, afirma presidente nacional da OAB

Vitória , 07/06/2009 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, comenta o impacto da Operação Naufrágio - que investiga suposta prática de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) - e avalia que o Judiciário, por ter a função de julgar o comportamento alheio, precisa agir com transparência: "Exigir ética praticando ética". Britto também falou sobre o projeto aprovado semana passada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que prevê o veto aos candidatos que não tenham reputação ilibada - mesmo que não haja condenação em primeira instância. O presidente da OAB é favorável à campanha contra os chamados "fichas-sujas", mas defende que haja uma condenação de um colegiado para barrar esse tipo de candidatura.

Segue a entrevista exclusiva para o jornal A Gazeta (ES):

P-Como o senhor avalia o projeto de lei que proíbe a candidatura dos chamados "fichas-sujas"?

r- Para exercer a função pública é preciso entender que a sua missão é servir ao público e não se servir do público. Por isso os requisitos da idoneidade moral e da reputação ilibada são fundamentais para o preenchimento de qualquer cargo público, ainda que por eleição. Porém, há de se compreender que, na democracia, o povo é soberano e livre para escolher seus representantes. No que se refere à inelegibilidade de um cidadão atingir esse principio democrático, é preciso agir com prudência. O que a OAB entende sobre possibilidade de candidatura de cidadãos, compatibilizando com o princípio da reputação ilibada e da idoneidade moral, é que, se existir uma condenação em órgão colegiado, não se poderá mais permitir a candidatura.

P- Por quê?

R- Porque o órgão monocrático é mais sujeito a erro, é o juiz sozinho decidindo sobre a quebra de princípio constitucional. No que se refere a um órgão coletivo, é uma decisão mais compartilhada. Por isso que o projeto de lei aprovado pela CCJ do Senado precisa ser apreciado ainda pela OAB, para se conhecer seu inteiro teor. Caso se enquadre nesse raciocínio de que o afastamento da candidatura venha a ser decorrente de condenação em órgão colegiado, a OAB apoiará. Caso contrário, a OAB manifestará suas restrições.

P- Os critérios são muito subjetivos?

R- É por isso que há necessidade de uma condenação em órgão colegiado. Porque é muito mais reflexiva. Se alguém cometer um crime de desvio de patrimônio publico, uma improbidade, se alguém é condenado por órgão colegiado por improbidade, dar a essa pessoa a possibilidade de continuar praticando o ato de improbidade é a mesma coisa que, em termo mais popular, permitir que a raposa tome conta do galinheiro. Por isso, uma decisão como essa, que restringe o direito de ser eleito, que é um direito constitucional, precisa de uma deliberação coletiva.

P- A lei como é hoje, que só proíbe a candidatura em caso de condenação em última instância, precisa ser reformulada?

R- É por isso que a OAB tem uma posição mais intermediária. Nós compreendemos que esperar pelo ser julgado pode demorar demais, às vezes 30 anos um processo. Nós permitiremos que aquele que é condenado por improbidade conn tinue praticando o ato. Essa solução também não é boa, como não é boa apenas a condenação do juiz de primeiro grau. Compreendemos que a propositura intermediária, já apresentada ao Congresso, parece ser a mais equilibrada e mais compatível com o princípio constitucional.

P- No Espírito Santo, há desembargadores, juízes e advogados investigados na Operação Naufrágio. Como restaurar a imagem do Judiciário?

R- O Judiciário, como tem a função de julgar o comportamento alheio, precisa ter seu comportamento muito transparente. Exigir ética praticando ética. Por isso que denúncias de falta de ética em relação ao Poder Judiciário têm que ser apuradas rapidamente. Porque não podemos fazer com que a população não confie no Poder Judiciário. Caso contrário, só restará ao cidadão uma das duas opções: ou ele renuncia ao seu direito (não vai brigar porque sabe que o Judiciário não resolverá) ou faz a vigilância privada (já que o Judiciário é comprometido, eu vou lá e resolvo com minhas próprias mãos). É por isso que o Judiciário tem que resolver rápido as demandas contra si próprio, para preservar sempre a credibilidade.

P- Por que o processo é sigiloso?

R- A publicidade tem que ser a regra de todos os processos, tem que ser público. Todas as ações são públicas, não podem ser sigilosas, salvo quando há interesses plenamente privados, o que me parece não ocorrer com acusações de improbidade. Se é processo disciplinar, ele era sigiloso, porém o Conselho Nacional de Justiça, em decisão recente, por compreender a função pública do julgamento, sobre o magistrado, transformou em público, o que acredito ser a melhor solução porque, repito, a credibilidade é o maior alimento do poder Judiciário. Por que é tão difícil excluir um advogado investigado dos quadros da OAB? A OAB tem sido rápida na punição. No Conselho Federal, tão logo assumi, transformei o tribunal de ética em três turmas para se ter um julgamento muito mais rápido. Só ano passado, tivemos mais de mil punições, demonstrando assim que, quando temos que punir, punimos, não usamos de corporativismo.

P - Como o senhor vê a situação do sistema carcerário no Espírito Santo?

R- É extremamente grave o que acontece no sistema carcerário do Espírito Santo. Não é santo o que se faz aí. Porque as prisões em contêiner equivalem a quase uma tortura, e tortura é crime contra a humanidade. Há prisões de adolescentes, com denúncias graves de maus tratos e que exigem de nós uma reação imediata. A função da prisão, além do afastamento, é a ressocialização. Mas, quando se reduz o ser humano a mera mercadoria, retirandolhe a dignidade enquanto pessoa humana, não se cumpre essa função. O sistema carcerário do Espírito Santo merece urgentemente ser reparado antes que se saia uma condenação internacional contra o Brasil.

P- Essa mudança é possível ou utópica?

R- É necessário que se faça e que se investigue. Na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ministro Tarso Genro, a se referir ao sistema carcerário, disse que o governo federal tem verbas para construção de presídios com qualidade, porém os Estados que solicitam não apresentam projetos de construção já liberados. Não sei se é o caso do Espírito Santo, mas, se é verdade que o ministro da Justiça diz que há verbas, é preciso investigar por que não está sendo construído o presídio e por que as pessoas estão sendo tratadas como se animal fossem. Aliás, pior do que alguns animais.