Nota sobre a Extinção do DPVAT
A Seccional da Bahia da Ordem dos Advogados do Brasil, por sua Comissão de Direito Securitário, manifesta-se por meio deste sobre a Medida Provisória nº 904, de 11.11.2019, publicada no Diário Oficial da União em 12.11.2019, que visa extinguir o DPVAT a partir do ano de 2020.
Previsto originariamente no art. 20, alínea “l”, do Decreto-Lei 73/1.966, e depois instituído em 1974, por meio da Lei nº 6.194, o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, a pessoas transportadas ou não, encontra-se ameaçado de extinção.
Diz-se ameaçado porque a medida provisória, apesar de ter força de lei, consoante art. 62 da Constituição Federal, para se tornar efetivamente uma lei, necessita de aprovação do Congresso Nacional. Não obstante a isso, a norma em comento já terá força de lei a partir de 01.01.2020.
O pagamento anual do DPVAT é de caráter obrigatório, e é pré-requisito para a renovação do licenciamento de um veículo. A Seguradora Líder, que é na verdade um consórcio de diversas seguradoras, administra o DPVAT e é fiscalizada pela Superintendência de Seguros Privados, a SUSEP.
Fundamentando a extinção do DPVAT, a SUSEP manifestou-se no sentido de que este seria de baixa eficiência, enquanto o Governo afirmou que, para os segurados do INSS, há a cobertura do auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente e de pensão por morte, enquanto para os não segurados da autarquia, existe o Benefício de Prestação Continuada – BPC, que garante o pagamento de um salário mínimo mensal para pessoas que não possuam meios de prover sua subsistência ou de tê-la provida por sua família.
O Governo entende que, com a referida extinção, evitar-se-ão fraudes e haverá redução de custos operacionais do seguro. Com isso, o dinheiro economizado será encaminhado para o SUS e para o DENATRAN.
Ocorre que, a finalidade do DPVAT não é apenas cobrir despesas de assistência médica e suplementares causados por acidentes de trânsito em todo o país, mas também indenizar danos decorrentes de morte, invalidez permanente, total ou parcial. Há uma verdadeira função social neste seguro que é pago independentemente do exame de culpa do causador do acidente.
Ou seja, os argumentos do Governo no sentido de que as pessoas e suas famílias não necessitariam do DPVAT, ante a existência do INSS e do BPC, não se sustentam, pois as indenizações do DPVAT visam justamente o que aqueles não têm por finalidade: em momentos de grandes perdas, como o é em casos de morte e de acidentes pessoais, entregar para a pessoa e sua família um valor para que possam se reestabelecer, ainda que a longo, médio ou curto prazo.
Segundo a Seguradora Líder, em 2018, o DPVAT pagou 38.281 indenizações por morte e 228.102 por invalidez.
Quanto ao argumento da destinação das verbas para o SUS, esclareça-se que esta remessa já ocorre normalmente, para o custeio de despesas de assistência médica e suplementares causadas por acidentes de trânsito. Neste caso, em 2018 foram pagas 61.759 indenizações.
No que pertine ao valor do prêmio do DPVAT, segundo o manual “Metodologia para a Avaliação atuarial anual do Seguro DPVAT”, este leva em conta, de acordo com a categoria do veículo automotor de via terrestre, a taxa de sinistralidade, despesas com sinistros e também administrativas, inclusive corretagem, valores de sinistros ocorridos e não avisados (IBNR), além de formação de reservas técnicas e o repasse para as seguradoras que compõem o consórcio.
Destaque-se que os prêmios são sempre em valores bastante acessíveis, não havendo qualquer distinção de montantes entre classes sociais. Exemplificamos pelo prêmio para seguro de automóveis e camionetas em 2019, de apenas R$16,21.
E ainda que se decida, por exemplo, após a extinção do DPVAT, por constituir-se um novo seguro facultativo popular de responsabilidade civil, dificilmente, considerando o contexto eminentemente social do DPVAT, se conseguirá chegar em valores de prêmios tão acessíveis como ocorre atualmente, a ponto de qualquer cidadão poder contratar, independente da sua renda.
Finalmente, vale lembrar que atualmente se estima que 70% da frota de veículos do país não possui seguro de automóvel facultativo, o que também demonstra a problemática na extinção do DPVAT ainda que estivéssemos pensando em uma nova figura para compor o cenário securitário.
Filiamo-nos ao entendimento da Comissão Especial de Direito Securitário do Conselho Federal da OAB que já se manifestou sobre o tema, no seguinte sentido “O Executivo atuou na contramão dos anseios mundiais, de prevenção dos acidentes e socialização dos riscos, relegando a população à sua própria sorte, sem efetivo amparo para a prevenção e a reparação dos danos, além de diminuir o orçamento público disponível para o tratamento médico-hospitalar dos acidentados. (...) Primeiro, não há que se falar em despesa pública, o fundo comum do seguro DPVAT é formado integralmente por receitas privadas dos proprietários de veículos automotores, sem qualquer contribuição do Tesouro Nacional. Assim, naturalmente, a extinção do seguro, em nada desonera os cofres públicos. Segundo, as fraudes nos pedidos de indenização securitária são fruto especialmente do gigantismo de suas operações, assim como ocorre, por exemplo, com pedidos de benefícios do INSS, fraudes contra o setor bancário, comércio ou o próprio SUS.”
Deste modo, em atenção às consequências negativas da extinção do DPVAT, especialmente para a parcela mais carente da população do país, que certamente estará desamparada em casos de acidentes causados por veículos automotores de via terrestre, a Comissão de Direito Securitário da OAB Bahia espera contar com a desaprovação da medida provisória em comento pelo Congresso Nacional.
Comissão de Direito Securitário – Seccional da Bahia
Jaime Augusto Freire de Carvalho Marques – Presidente da Comissão
Danielle de Azevedo Cardoso – Membro da Comissão