No Bahia Notícias: Da antecipação do ITIV de Salvador e a jurisprudência do STJ e STF
por Oscar Mendonça*
Uma decisão judicial recém-exarada por Juíza do TJBA fomentou uma corrida ao Judiciário para discutir a constitucionalidade da cobrança antecipada do ITIV em Salvador. A lei nº 7.186/2006, que instituiu o ITIV - Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis em Salvador-BA, traz em seu art. 114, com a redação modificada pela lei municipal nº 8.421/2013, a hipótese de incidência do imposto: I - a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso (a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física, (b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões; II - a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.
Entretanto, no art. 122, §1º, I, acrescentados pela Lei n. 7.611, de 31/12/2008, constou a previsão de antecipação da cobrança do imposto, por ocasião da assinatura da promessa de compra e venda de unidade imobiliária para entrega futura.
A simples assinatura de um contrato particular jamais poderia ensejar a cobrança do ITIV, tendo em vista que não é instrumento apto a transmitir qualquer direito real sobre bem imóvel, a teor do art. 1.227 do Código Civil.
A hipótese de incidência do ITIV é a transmissão do bem imóvel ou de direitos reais sobre tal ou a cessão de direitos a sua aquisição, realizada através do registro no Cartório de Registro de Imóveis. Não cabe, portanto, qualquer ficção a respeito do momento da incidência da norma tributária e, portanto, do nascimento da obrigação de pagar o ITIV, até porque a unidade do imóvel sequer existe ainda, como pode nunca vir a existir. A promessa consiste em entrega futura, exatamente porque a unidade ainda não é concreta.
Esse é, também, o entendimento do STJ, que já apreciou a matéria em diversas oportunidades: “O fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel motivo pelo qual não incide referida exação sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo.” (AgRg no AgRg no REsp 764.808/MG, DJ 12/04/2007, p. 217).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o STF consolida o entendimento a favor do contribuinte, a saber: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI) SOBRE CONTRATOS DE PROMESSA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.(RE 666096 AgR, PUBLIC 21-11-2012). Grifos nossos.
Em 13/08/2013, entretanto, foi proferida decisão monocrática, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no ARE 759.964, na qual entendeu que a antecipação da cobrança do ITIV é constitucional, com base no que preceitua o art. 150, §7º da Constituição Federal: “Nesse contexto, observo que essa Corte já concluiu pela constitucionalidade da cobrança antecipada de tributo, por encontrar apoio no art. 150, § 7º, da CF, desde que esteja prevista em lei ordinária. Com essa orientação, destaco os seguintes precedentes, entre outros: ADI 2.044-MC/RS, Rel. Min. Octávio Gallotti; RE 194.382/SP, rel. Min. Maurício Corrêa; RE 213.396/SP e ADI 1.851/AL, Rel. Min. Ilmar Galvão; RE 598.070/RS, Rel. Min. Celso de Mello; RE 499.608-AgR/PI, de minha relatoria.”
No entanto, todos os “precedentes” citados dizem respeito à sistemática de substituição do ICMS. Há de se destacar, ainda, o que dispõe o art. 150, §7º da Constituição Federal, a saber: § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Note-se que o dispositivo trata de atribuição da condição de responsável e que há uma impossibilidade de eleição do responsável no caso da promessa de compra e venda, porque o sujeito passivo na antecipação será o próprio contribuinte.
O art. 122, §1º, I da Lei Municipal nº 7.186/2006 não trata de atribuição de sujeição passiva a outro que não o contribuinte (responsabilidade), mas de antecipação, pura e simples, da cobrança do tributo, para o momento anterior à ocorrência do fato imponível.
A aplicação do art. 150, §7º da Constituição ao ICMS é reconhecida pela possibilidade de realização da compensação entre créditos e débitos, que acaba satisfazendo o comando de imediata e preferencial restituição no caso em que não se realize o “fato gerador presumido”. Isso porque, tanto o responsável (substituto), como o substituído, são contribuintes habituais do imposto, o que não ocorre com o ITIV.
Ademais, não se pode dizer que tal decisão monocrática, que sequer transitou em julgado, representa efetiva mudança na jurisprudência do STF. Conforme se pode verificar, a referida decisão foi, inclusive, alvo de agravo interno/regimental, podendo ser alterada a partir da revisão pela respectiva turma.
Acrescente-se a isso o fato de que recentíssimos casos levados ao STF oportunizaram a aquela Corte ratificar o entendimento posteriormente, como é o caso do acórdão proferido no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 764.432 de Minas Gerais. Este caso foi julgado em 08/10/2013, ou seja, depois referida decisão monocrática e confirmou que “está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente”.
*Oscar Mendonça
Advogado
Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP
Professor titular de direito tributário da UNIFACS
Professor nos cursos de pós-graduação do IBET – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e de pareceres para empresas e órgãos públicos
Ex-membro julgador do CARF em Brasília-DF
Ex-Procurador do Município
Membro do Conselho de Assuntos Fiscais da FIEB e Diretor da Associação Comercial da Bahia
Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB da Bahia Fonte: Bahia Notícias
Uma decisão judicial recém-exarada por Juíza do TJBA fomentou uma corrida ao Judiciário para discutir a constitucionalidade da cobrança antecipada do ITIV em Salvador. A lei nº 7.186/2006, que instituiu o ITIV - Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis em Salvador-BA, traz em seu art. 114, com a redação modificada pela lei municipal nº 8.421/2013, a hipótese de incidência do imposto: I - a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso (a) de bens imóveis, por natureza ou acessão física, (b) de direitos reais sobre bens imóveis, exceto os de garantia e as servidões; II - a cessão, por ato oneroso, de direitos relativos à aquisição de bens imóveis.
Entretanto, no art. 122, §1º, I, acrescentados pela Lei n. 7.611, de 31/12/2008, constou a previsão de antecipação da cobrança do imposto, por ocasião da assinatura da promessa de compra e venda de unidade imobiliária para entrega futura.
A simples assinatura de um contrato particular jamais poderia ensejar a cobrança do ITIV, tendo em vista que não é instrumento apto a transmitir qualquer direito real sobre bem imóvel, a teor do art. 1.227 do Código Civil.
A hipótese de incidência do ITIV é a transmissão do bem imóvel ou de direitos reais sobre tal ou a cessão de direitos a sua aquisição, realizada através do registro no Cartório de Registro de Imóveis. Não cabe, portanto, qualquer ficção a respeito do momento da incidência da norma tributária e, portanto, do nascimento da obrigação de pagar o ITIV, até porque a unidade do imóvel sequer existe ainda, como pode nunca vir a existir. A promessa consiste em entrega futura, exatamente porque a unidade ainda não é concreta.
Esse é, também, o entendimento do STJ, que já apreciou a matéria em diversas oportunidades: “O fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel motivo pelo qual não incide referida exação sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo.” (AgRg no AgRg no REsp 764.808/MG, DJ 12/04/2007, p. 217).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, o STF consolida o entendimento a favor do contribuinte, a saber: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS (ITBI) SOBRE CONTRATOS DE PROMESSA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.(RE 666096 AgR, PUBLIC 21-11-2012). Grifos nossos.
Em 13/08/2013, entretanto, foi proferida decisão monocrática, pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no ARE 759.964, na qual entendeu que a antecipação da cobrança do ITIV é constitucional, com base no que preceitua o art. 150, §7º da Constituição Federal: “Nesse contexto, observo que essa Corte já concluiu pela constitucionalidade da cobrança antecipada de tributo, por encontrar apoio no art. 150, § 7º, da CF, desde que esteja prevista em lei ordinária. Com essa orientação, destaco os seguintes precedentes, entre outros: ADI 2.044-MC/RS, Rel. Min. Octávio Gallotti; RE 194.382/SP, rel. Min. Maurício Corrêa; RE 213.396/SP e ADI 1.851/AL, Rel. Min. Ilmar Galvão; RE 598.070/RS, Rel. Min. Celso de Mello; RE 499.608-AgR/PI, de minha relatoria.”
No entanto, todos os “precedentes” citados dizem respeito à sistemática de substituição do ICMS. Há de se destacar, ainda, o que dispõe o art. 150, §7º da Constituição Federal, a saber: § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
Note-se que o dispositivo trata de atribuição da condição de responsável e que há uma impossibilidade de eleição do responsável no caso da promessa de compra e venda, porque o sujeito passivo na antecipação será o próprio contribuinte.
O art. 122, §1º, I da Lei Municipal nº 7.186/2006 não trata de atribuição de sujeição passiva a outro que não o contribuinte (responsabilidade), mas de antecipação, pura e simples, da cobrança do tributo, para o momento anterior à ocorrência do fato imponível.
A aplicação do art. 150, §7º da Constituição ao ICMS é reconhecida pela possibilidade de realização da compensação entre créditos e débitos, que acaba satisfazendo o comando de imediata e preferencial restituição no caso em que não se realize o “fato gerador presumido”. Isso porque, tanto o responsável (substituto), como o substituído, são contribuintes habituais do imposto, o que não ocorre com o ITIV.
Ademais, não se pode dizer que tal decisão monocrática, que sequer transitou em julgado, representa efetiva mudança na jurisprudência do STF. Conforme se pode verificar, a referida decisão foi, inclusive, alvo de agravo interno/regimental, podendo ser alterada a partir da revisão pela respectiva turma.
Acrescente-se a isso o fato de que recentíssimos casos levados ao STF oportunizaram a aquela Corte ratificar o entendimento posteriormente, como é o caso do acórdão proferido no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 764.432 de Minas Gerais. Este caso foi julgado em 08/10/2013, ou seja, depois referida decisão monocrática e confirmou que “está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente”.
*Oscar Mendonça
Advogado
Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC-SP
Professor titular de direito tributário da UNIFACS
Professor nos cursos de pós-graduação do IBET – Instituto Brasileiro de Direito Tributário
Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e de pareceres para empresas e órgãos públicos
Ex-membro julgador do CARF em Brasília-DF
Ex-Procurador do Município
Membro do Conselho de Assuntos Fiscais da FIEB e Diretor da Associação Comercial da Bahia
Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB da Bahia Fonte: Bahia Notícias