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No Bahia Notícias: Ação de inconstitucionalidade do IPTU deve ser julgada em junho, diz conselheiro da OAB-BA

por Cláudia Cardozo e Lucas Cunha/Bahia Notícias

O início do ano em Salvador foi marcado por uma ampla discussão sobre o reajuste do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e sua possível inconstitucionalidade. Em entrevista ao Bahia Notícias, o advogado tributarista Oscar Mendonça, um dos conselheiros da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) responsável pelo estudo, disse que a expectativa é de que a ação seja julgada ainda este mês pelo plenário do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA). Nesta segunda-feira (9), o Diário da Justiça Eletrônico publicou as movimentações dos processos ingressados na Corte que questiona a legalidade do aumento do tributo, que está sob a relatoria do desembargador Roberto Frank. O magistrado determinou o retorno dos autos à Secretaria do Tribunal Pleno para que em cinco dias os interessados tomem conhecimento do parecer do Ministério Público e, após o prazo, sem prorrogação, reenviem os autos para apreciação do pedido liminar. Para o advogado tributarista, Salvador vive uma insegurança jurídica com relação aos tributos, um fenômeno que acontece em todo país. Mendonça ainda afirma que as últimas três leis editadas sobre o IPTU trazem a insegurança, porque o “tributo não foi muito depurado”. O conselheiro da seccional também diz que “nós não temos uma tradição de respeito no princípio da legalidade”, e que a “tradição nossa é de ferimento a legalidade”.

Bahia Notícias: O senhor poderia nos explicar um pouco sobre o que é o direito tributário e como o advogado atua nessa área?


Oscar Mendonça: O direito tributário é que cuida exatamente dos tributos, das ações tributárias, das cobranças tributárias, e o advogado, fundamentalmente, ele assessora na parte consultiva ou advoga na parte do litígio contra o poder público. Porque o Poder Público é quem está à frente da cobrança tributária ou será a União Federal ou um Estado membro da Federação ou um dos municípios. São essas as três unidades federativas que tem, portanto, possibilidade de cobrança tributária. É uma área que cada dia cresce mais, porque os conflitos existentes entre os entes tributantes e os contribuintes tem sido cada dia mais tensos. E por quê? Porque as demandas sociais só tem aumentado e o Estado, aí eu estou me referindo como um todo, ele precisa de recursos para fazer em face de essas demandas sociais. O problema todo é que este Estado ele está debaixo da lei - nós vivemos em um Estado Democrático de Direito, abaixo da lei está o Poder Executivo, Legislativo, e Judiciário. Ele só pode agir exatamente nos limites da lei. O princípio da legalidade dele é na área tributária, fundamental, porque só se faz aquilo que está consentido em lei. É aí que entra o problema, porque é muito comum na área tributária exigir-se fora da lei. E, obviamente, eu já estou falando, pensando no nosso cenário, que é o cenário com a Prefeitura de Salvador.

BN: Qual motivo do aumento dessa demanda pela área tributária nos últimos anos?

OM: Olha, é impressionante como tributos, praticamente todos eles de uma forma geral, têm vivido uma grande insegurança jurídica na realidade, porque a nossa legislação tributária é uma legislação que produz regras diariamente. Para você entender, outro dia fui ao médico e ele me disse assim: ‘Olha o difícil da medicina é que eu estou te dando uma posição sobre o seu sistema biológico aqui agora, e não é tão difícil assim no direito’ - no caso era o sistema cardiológico. 'Eu estou te dando uma posição hoje, amanhã eu não posso dizer que é a mesma posição. Um dia é suficiente para ter outros elementos no sistema que, portanto, vão influenciar no todo’.  E aí, a minha resposta, não necessariamente, pode ser a mesma. Eu disse a ele: ‘então o que é que o senhor acha do direito se o Diário Oficial a cada dia produz inúmeras regras, ainda mais na minha área, a área tributária. Então, ele tem que fazer essa nova concepção contextual para imaginar a aplicação de qualquer uma das regras’. É a mesmíssima dificuldade. Nós temos o Hans Kelsen, grande jurista do século, ele dizia e até demonstrava com uma esfera na mão: ‘Imagina esta esfera sobre essa superfície, então ela vai ter um único ponto de contato, e esse ponto de contato é a norma e a esfera é o ordenamento jurídico como um todo. Então todo este ordenado jurídico vai ter uma inflexão sobre um ponto, que é a norma. Ou seja, quando você aplica a norma você esta aplicando o ordenamento jurídico inteiro. Agora, para fazer esse juízo normativo - em que você vai exprimi-lo de maneira e em proposições - que é a grande dificuldade, é isso que separa o jurista do leigo. O que interessa é saber ler, esse saber ler é a diferença entre o médico que olha a fotografia de um pulmão, por exemplo, e é capaz de fazer ali uma observação durante meia hora ou até mais, enquanto que você olha e descreve em dois minutos, porque a sua visão é mais limitada mesmo, porque você não aprendeu a metodologia para ter acesso aquele objeto. O acesso cognitivo em relação aquele objeto, você não consegue aprender. Então é a mesma coisa no direito, o direito não é só você ler a regra, é você saber interpretar. Essa é a grande dificuldade que você tem em todas as áreas, mas eu diria que no direito tributário tem sido muito maior porque o número de regras eé excessivo e você tem que conhecer...

BN: Em Salvador, dentro de área tributária, tem uma demanda específica?

OM: As questões tributárias municipais, por exemplo, estavam um pouco em segundo plano, e hoje, as questões municipais tem sido um ponto de grande demanda em relação a todos os escritórios de advocacia. Isso porque, os municípios realmente começaram a se movimentar, os municípios estão numa posição de desvantagem em relação a federação – uma desvantagem histórica, e tem que mudar – para isso, eles estão buscando se alimentar com os seus chamados ‘recursos próprios’. O IPTU é um deles, ITIV é um deles. Por isso, desde o início nós sempre colocamos para a Prefeitura, para o Município de Salvador, de que nós não éramos absolutamente contra esta busca por mais recursos, absolutamente não. Agora, cabia a nós uma atividade de cuidado em relação ao contribuinte individual, ou seja, o direito individual é exatamente o foco da OAB, e principalmente daquele que não tem condição de se defender. Porque as empresas, as grandes empresas, têm ótimos advogados que saberão defender os seus direitos. O IPTU é um tributo que incide sobre propriedade e posse de imóveis, muitos residenciais. Você acha que o sujeito vai procurar um advogado, para discutir uma questão dessas? Muitas vezes ele paga o imposto, até mesmo para não se chatear, porque não tem acesso a um advogado, que é um serviço caro.

BN: O senhor falou que as normas tributárias trazem muita insegurança jurídica. Salvador tem esse cenário de insegurança? Como é que fica a atuação do advogado perante essas inseguranças jurídicas?

OM: É, eu acho que a insegurança jurídica hoje é o grande tema sim, sem dúvida alguma, do país como um todo. Em relação a Salvador, nos pareceu que essas últimas três leis municipais, que foram editadas em relação ao IPTU, realmente traziam insegurança na medida em que o tributo não foi muito depurado. A prefeitura poderia tranquilamente, como dito no parecer do professor Edvaldo Brito da OAB, individualizar melhor o valor vernal de cada imóvel. Mas ela fez a opção por uma padronização, foi em busca de setores fiscais da construção de uma classificação da cidade, no setor de fiscais ou zonas fiscais, onde ela presume - o município acaba presumindo os valores venais existentes - e isso acabou, de certo modo, prejudicando o aferimento real do valor venal de cada imóvel. É só você imaginar que como, na maioria das cidades, você tem uma zona nobre rodeada de favelas, ou não imediatamente de favelas, mas de zonas menos nobres, ou um pouquinho mais adiante, de uma favela. Como é que você delimita isso, essas zonas fiscais? Então me parece que as delimitações foram feitas um pouco a toque de caixa. Se diz que a delimitação foi feita em torno de 90 dias, que é muito pouco para você cruzar dados e fazer uma verificação rua por rua, como eles pretendiam fazer, e disseram que fizeram rua por rua. Isso me parece que gerou uma insegurança jurídica imensa. Foi muito comum ouvir na cidade as pessoas dizerem assim: ‘Se meu imóvel vale isso, eu gostaria imediatamente de vendê-lo’. Isso se ouviu muito, e a prefeitura diz que a casos que merece realmente serem revistos e que esses casos são só pontuais e tal. A nossa impressão é exatamente inversa, e um sintoma disso é que se fala que 14 mil impugnações do IPTU.  Imagine, quando 14 mil pessoas vão impugnar, a prefeitura tomou um susto, nunca se passou de 500, e 14 mil? E muito provavelmente, esse número é muito maior, porque as pessoas não sabem que podem fazer a impugnação. Elas nem sabem que para fazer a impugnação não é preciso contratar um advogado. Agora, convenhamos que, para você entender a legislação, você saber o que você vai discutir é extremamente difícil, então sem a assessoria de um advogado fica muito complicado.

BN: E o que foi observado desde que a Ordem decidiu ingressar com a ação direta de inconstitucionalidade? As pessoas deixaram de pagar o IPTU? Como é que ficou?

OM: Olha, nós temos um acompanhamento disto, mas não é um acompanhamento formal, provavelmente esta pergunta será melhor respondida pela própria prefeitura. Não sei se ela tem interesse também de divulgar esses dados. Mas o que de um certo modo se observa é de que a grande maioria optou por realizar o pagamento de maneira parcelada. Estas são as informações que nos chegam. O pagamento à vista que já foi opção de muita gente no passado, principalmente porque há um desconto, dessa vez não teria ocorrido de maneira assim tão genérica. A maioria optou por pagamento parcelado. Um percentual menor, embora maior em relação ao ano passado, teria optado por não pagar nada e esperar uma decisão da ação. As grandes empresas, essas sim, a grande maioria, optaram por fazer um deposito do valor, e este deposito já pode ser utilizado pela prefeitura. A prefeitura não sofre com esta perda de arrecadação. Outras empresas não fizeram os depósitos porque obtiveram liminar junto à Justiça estadual que suspende a exigibilidade do crédito.

BN: E houve uma demanda grande na Justiça para suspender este pagamento?

OM: Houve uma demanda grande em relação ao comum, ao normal, agora em relação ao todo de Salvador ainda é um percentual muitíssimo pequeno.

BN: As decisões da Justiça em caráter liminar de suspender estes pagamentos podem impactar no julgamento final da ação de inconstitucionalidade?

OM: Eu acredito que sim, porque o Tribunal ele está no topo da pirâmide. Ele queira ou não queria, embora ele esteja no topo da pirâmide exatamente para fazer uma revisão ou de manutenção das decisões ou de reforma das decisões, mas sempre em caráter revisional, ele acaba sofrendo uma certa influência também do que chega das bases. O que eu quero dizer com isso: que é óbvio que seja na Justiça estadual, seja na Justiça federal, que os juízes vão depurando a questão para que se chegue aos tribunais de maneira muito mais fácil de ser lida. As leituras que estão sendo feitas pelos juízes de primeira instância são sim importantíssimas. E um caso que se tornou emblemático é o caso da Ebal, em que a decisão foi muito bem feita por um juiz de primeira instância, Dr° Gerônimo Santos, e depois a prefeitura tentou caçar esta liminar junto ao Tribunal de Justiça. O desembargador a manteve e ao mantê-la, ele cita vários pontos da decisão de primeira instância. É óbvio que a decisão de primeira instância acaba de certo modo influenciando sim. Agora é preciso dizer o seguinte, que as pessoas fazem muita confusão: uma coisa é a discussão em abstrato, outra coisa é a discussão em concreto. Qual é a diferença: a OAB está discutindo em abstrato, ou seja, está discutindo se essas regras são constitucionais ou inconstitucionais e não caso a caso. Por quê? Porque no caso a caso, o caso da Ebal, por exemplo, mesmo que estas regras sejam constitucionais, o caso estava eivado de vício, porque a Ebal discute o valor venal aplicado. O que é importante dizer é que são discussões distintas. O que acaba acontecendo: na questão inconcreta, preliminarmente acaba que o advogado sempre fala da inconstitucionalidade, da regra, para depois falar da aplicação dela ao caso concreto.

BN: E há jurisprudência dos tribunais superiores com relação a essa questão do IPTU?


OM: Há sim. São ainda decisões recentes, mas que já apontam para falta de razoabilidade nestes aumentos abruptos, porque o que se critica muito em Salvador e que as pessoas fazem uma grande confusão é o seguinte: ninguém está dizendo que a prefeitura não poderia fazer a revisão do valor venal. Não há dúvidas, é claro, está na regra, ela pode e deve fazer a revisão. Só que o município não pode ser visto por uma gestão. O município é uma entidade, uma pessoa política de direito público, então ela é uma cidade contÍnua, tem continuidade. Imagine que esse município passou 19 anos sem fazer uma revisão do valor venal e aí, um valor venal que para você chegar a uma depuração mais séria demandaria 1, 2 anos de estudos. Se faz uma atribuição de valores muito rápido, de supetão, e querem exigir aos contribuintes que eles aceitem uma revisão de 19 anos, que obviamente é de valores muito altos. Imagine que o sujeito tem lá o seu imóvel e, de repente, chega uma conta para pagar que ele não tinha o menor um planejamento sobre isso, a menor previsibilidade sobre isso? Fico estupefato de ouvir - ainda bem que são poucas opiniões, mas existem, não posso negar - de alguns tributarias que dizem que: ‘não, não vejo mal nenhum nisso, está lá a regra de que ele pode revisar e portanto ele pode sim, de um ano para o outro aumentar em 1.000%, 1.500% e que isso não ofende o direto’. Ora, não precisa estudar nem muito o direito para perceber que há algo de errado. Nós entramos na OAB e temos feito muitas coisas e queremos fazer muito mais. Logo no início, se discutiu o valor da anuidade da OAB, que é muito pouco. Para você ter ideia, eu que sou advogado há mais tempo, pago acho que quinhentos e poucos reais por ano. É muito pouco, e então não se pode fazer um aumento, uma correção para pagar R$ 3 mil, porque sentimos que os aumentos têm que ser de acordo com o que você esta tendo de aumento no seu salário, no seu vencimento, na sua remuneração. Isso vale para o empresário também, porque que o empresário, ainda que ele tenha autos e baixos, ele vai ganhando mais ou menos de acordo como crescimento da economia. Então me parece de uma obviedade, e aí as pessoas dizem: “Não, mas veja bem o que a capacidade contributiva, no caso do IPTU, não pode ser levada em conta.” Esse, aliás, é o argumento principal do município de que se trata de um imposto real: não é um imposto pessoal e que o valor está presumido no imóvel. E a capacidade produtiva também é presumida, ou seja, se você é dono de um imóvel de alto valor, está presumindo a sua capacidade contributiva alta. Se você é dono de um imóvel de médio valor, sua capacidade contributiva é média e se você é dono de um imóvel de pequeno valor, sua capacidade contributiva é pequena. Ora, é obvio que as coisas não são exatamente assim, mas elas podem até funcionar deste modo em uma situação de normalidade padrão. Sempre se disse na doutrina, e não na jurisprudência, que você não pode querer no IPTU dizer que fulano de  tal que mora numa casa muito boa, uma casa de luxo, e por ele estar passando por uma situação difícil economicamente, ele vai ter o seu IPTU revisado ou minorado por causa dessa capacidade contributiva dele momentânea, não se aplica a este tipo de imposto. Se aplica ao imposto de renda, porque se ele está ganhando pouco ele vai pagar pouco. Se ele está ganhando muito, ele vai pagar muito, perfeito! Mas isso em situações de normalidade, o que nós tivemos foi um aumento altíssimo, fora da normalidade e abrupto, entendeu? E aí, o direito tem que dar resposta a isso, e a resposta não está nesta visão clássica do direito tributário. A resposta está na razoabilidade aplicação dos princípios. Quando você leva para esse campo da aplicação dos princípios, a situação fica muitíssimo clara. Não cabe você deixar de fora um exame da capacidade contributiva e o aumento que teve esta capacidade de 2013 para 2014. A jurisprudência citada pelo município é uma jurisprudência velhaca, uma jurisprudência antiga, da época inclusive do voto do ministro Moreira Alves, que não está há muitos anos no Supremo Tribunal Federal e foi dada num contexto específico, quando se discutia se cabia a aplicação da progressividade que vai punir quem estiver mantendo, por exemplo, terrenos de engorda etc. Então, quando se discutia se a progressividade só poderia ser aquela ou poderia ser em razão do valor venal, por exemplo, do imóvel, foi que se falou disso, de que o IPTU é um imposto real e, portanto, não pode levar em conta a capacidade produtiva do contribuinte. Já em acordos recentes, o STF falou exatamente o inverso, e aí o voto do ministro Marco Aurélio, como relator da matéria e depois votos da ministra Carmem Lucia, e do ministro Carlos Ayres de Britto, exatamente dizendo isto: ‘Não pode deixar o exame da capacidade contributiva de fora mesmo no IPTU’.

BN: Mas o senhor não acha que a prefeitura já sabia e previa todos esses casos que o senhor está falando, e mesmo assim apostou em um aumento de arrecadação instantâneo...


OM: Nós não temos uma tradição de respeito no princípio da legalidade. Essa é uma frase dura e difícil de dizer. Mas tem que ser dita com todas as letras e toda a responsabilidade. A nossa tradição é de ferimento da legalidade. Quem está no Poder não tem este respeito pela lei por que, de um modo geral, e aí eu não estou apontando A nem B, eu estou falando que é um fenômeno cultural - e neste fenômeno cultural eu tenho inclusive que me incluir, porque todos nos estamos incluídos - nós não temos uma tradição de respeito à legalidade. No Poder Público é muito comum, e eu já assessorei diversos prefeitos por aí afora e já fui julgador de questões tributarias na esfera federal, enfim... É muito comum se ouvir nos gabinetes do Poder Executivo, seja federal, estadual ou municipal, o seguinte: ‘Vamos colocar esta regra, mesmo que digam que é inconstitucional, pouca gente vai discutir’. Por quê? Porque nós temos um Judiciário extremamente assoberbado, um Judiciário que ainda não tem um preparo, seja logístico ou mesmo de especialidade. São poucos os estudiosos da área tributária, inclusive no Judiciário. Então se aposta na realidade de que você vai enfiar goela abaixo, porque é assim que sempre acontece. São poucas vezes. É só olhar para trás e ver quando é que a OAB se meteu em termo de questões tributárias no nosso estado. Quando é que foi? E quando se mete, qual foi a reação? A reação foi fortíssima, como se fosse um absurdo e não algo comum. Se você pensar que a OAB nacional, só na nova gestão agora, que também entrou conosco na mesma época, já tem duzentas, quase trezentas ações diretas de inconstitucionalidade em relação a leis federais. Aí entramos com uma e recebemos essa saraivada de críticas do Poder Executivo e não da sociedade. Muito pelo contrário. A sociedade está nos apoiando. As saraivadas de críticas são de como tivéssemos representando interesses não confessáveis, nosso interesse, de grandes empresas e não da população. Você estava lá e viu como é que isso foi aprovado lá no conselho [Pleno da OAB], foi uma briga danada. Um puxa de cá, outro de lá. Foi para votação, porque cada conselheiro pensa de um modo, tem inserções em um determinado tipo de mercado, tem interesses, uns são ligados ao prefeito e outros não são ligados. Então, você não tinha como controlar absolutamente uma posição da OAB. Se fosse o caso, abraçar uma questão de um determinado setor, não tem como controlar. Essa é uma grande verdade. O presidente Luiz Viana, inclusive, não votou. Ele preferiu não votar. E foi a esmagadora maioria que optou entrar com a ação. Nós estávamos na trincheira a favor da ação direta de inconstitucionalidade, mas houveram outros conselheiros contrários. As críticas são coisas típicas de quem não gosta da democracia. Essa pecha não pega, a OAB é uma entidade séria e sempre está na defesa dos direitos. A OAB sempre estará certa? Não, obviamente nossas posições podem ser também, do ponto de vista da legalidade, contrastados. Não necessariamente estamos certos, mas estamos defendendo porque entendemos que estamos certos. Como é que você vai saber se está certo ou não? Pela fundamentação que cada uma traz. Agora, se ganhar no Judiciário é porque estávamos certos também? Não é verdade. E se perdemos é porque estávamos errados também? Também não é verdade. Porque na realidade no direito não existe isso. Quando você faz uma avaliação - e é muito comum isso acontecer - parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal apontam para um lado e outros apontam para o outro. Só um está certo? Não, são visões diferentes sobre o mesmo objeto, porque no direito é assim, sem esquecer que todos nós não interpretamos, nem muito menos decidimos. Estou me referindo aquele tem poder de decisão, sem estar influenciado por sua ideologia, não tem como separar a influência da ideologia sobre o juiz. Então é óbvio que influenciará no Tribunal de Justiça a visão política e ideológica de cada magistrado, e não somente a visão política. Aliás, é impressionante como, às vezes, a impressão que se tem, é que a visão jurídica está em terceiro lugar. Ela não aparece em primeiro lugar. No mínimo, nas discussões se percebe que se fala antes do político, antes do ideológico, para depois se falar do jurídico.

BN: A prefeitura sempre colocou a questão das travas no IPTU, do ‘quem pode pagar mais, paga mais, e quem não pode pagar não paga, ficava isento’. Qual o problema das travas?

OM: Olha, a questão das travas é a maior prova de que houve realmente um sentimento por parte da prefeitura de que não podia impingir ao contribuinte um aumento tão alto de uma vez só, apesar deles poderem fazer a revisão. Então esse sentimento fez com que o próprio projeto de lei do prefeito trouxesse o estabelecimento de travas, que nada mais é que retenções destes aumentos ao longo do tempo. O problema das travas está no seguinte: Porque travas até o final da gestão do prefeito apenas, sabendo que é impossível o pagamento por boa parte dos contribuintes?. Nós perguntamos isso a prefeitura, e a prefeitura respondeu: ‘Não, é até o final da gestão do prefeito’. Se quis limitar as travas à gestão do prefeito ACM Neto. Me parece que aí falta uma visão mais de Poder Público do que de partido político. É óbvio que quem está dentro da gestão visa seu projeto político. Até entendemos isso. Mas a visão tem que ser, necessariamente, do Poder Público. E a população não pode ser castigada porque houve uma inércia desse Poder Público nesse período. Nós que somos da área, já sabíamos, desde o início, que muito provavelmente, haveria essa revisão. Imagina o cidadão comum, que não tinha a menor ideia de que fosse ser feito o reajuste. Ele tomou um susto, porque estava acostumado com o aumento do IPCA, da correção monetária. Me parece que as travas são a maior prova de sentimento da prefeitura de que as coisas não poderiam ser feitas da forma que foram feitas. Se optou foi por um projeto político de que a prefeitura quer mais dinheiro para realizar seus projetos. E quando nós tentamos negociar com a prefeitura, nós falávamos em saneamento das irregularidades, e eles falavam que só poderiam abrir mão de X milhões. Como é que a gente ia chegar a um denominador comum? Impossível. Na realidade, houve um excesso. Outra confirmação desse excesso, é que houve já apresentação de um projeto de lei por parte do prefeito que ele congela tudo na primeira trava. O projeto de lei 74/2014 traz exatamente essa proposta, de que o IPTU fique tão somente no aumento de 2014, e 2015, 2016 e 2017, haverá tão somente o aumento do IPCA. Me parece que já é uma vitória, de certo modo, da OAB. É bem verdade, que essa proposta, ele fez em uma conversa conosco, mas na época, ele queria que isso fosse apenas de boca. E nós dissemos que não poderia ser. E ele disse que achávamos que ele não tinha palavra. A questão não é se tem palavra ou não tem. É que o correto é enviar um projeto de lei para Câmara. Ele retrucou e disse para procuramos o Ministério Público para firmamos um termo de ajustamento de conduta [TAC], e dissemos que o TAC não se aplica a essas questões tributárias. Ele acabou cedendo e enviou projeto de lei, mas que ainda não está no sistema. Pode ser que nessa decisão agora do Tribunal de Justiça não seja levado em conta, porque não está no sistema, é um mero projeto de lei. É aquela questão de que temos a impressão de que o Poder Público só cede por pressão. A política é sempre de empurrar o máximo que puder.

BN: Quando é que a ação direta de inconstitucionalidade deve ser julgada pelo tribunal?

OM: A expectativa é de que o desembargador relator Roberto Frank leve ao pleno neste mês de junho todas as ações que estão para julgamento juntas. São quatro. E é isso que está demorando o julgamento. Por que ele optou por levar juntas. Aí ele tem que esperar o procedimento de ouvir o Ministério Público, de cada uma delas, se perfaça. As informações de que nós temos lá, recente, é de que esses procedimentos já estão chegando ao fim, todos os processos vão estar, portanto, conclusos para levar ao pleno do Tribunal de Justiça. Essa demora, me parece, que nos prejudicou bastante, porque a decisão fica um pouco fora do seu momento.

BN: E não poderiam ter expedido nenhuma decisão cautelar, liminar, nesse período?

OM: Isso foi uma opção do Judiciário. E a opção foi fazer desse modo. Hoje é um quorum difícil. São dois terços do tribunal que tem que aprovar, mesmo a medida cautelar. Nós estamos, de qualquer maneira, confiantes, porque juridicamente, os argumentos são fortíssimos, e alguns até, irrespondíveis. Agora, o argumento da prefeitura de que geraria uma parada da prefeitura, a paralisação da prefeitura, esse argumento, com o tempo, se desgastou bastante, porque a essa altura, ela já conseguiu todo o valor de 2013 em caixa. Boa parte dos valores, já está em caixa. Foi anunciando ainda no final do ano passado que a prefeitura havia zerado o déficit do município, e que ainda tinha R$ 400 milhões de superávit. Se é assim, me parece que perde-se o argumento de que a prefeitura vai parar. Única obviedade é que se tem um pouco menos de dinheiro para investir. Ninguém nunca negou. O que se está querendo é que se tome esse dinheiro da mão do contribuinte de maneira mais paulatina. A nossa proposta inicia era essa. Nós fizemos uma proposta concreta de que, em vez de estarem limitado às travas tão somente ao seu mandato, que fosse pelo menos em dois mandatos, em oito anos. O setor empresarial falava algo em torno de 10 anos. Mas isso, desde o início foi rechaçado e foi colocado que a prefeitura precisava desse dinheiro imediatamente e que não poderia esperar.

Fonte: Bahia Notícias