Maíra Vida: Presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa
A carreira da advogada Maíra Santana Vida, conselheira estadual e atual presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA, vem sendo traçada nos ambientes formais onde se exerce o Direito, mas também nos espaços nem sempre bem vistos pelo rigor brancocêntrico das academias jurídicas.
Nascida e criada no bairro de Pau da Lima, periferia de Salvador, Maíra aprendeu logo na infância que a vida não era um conto de fadas. Mulher, negra, descendente de pessoas escravizadas, filha de uma mulher solteira e neta de uma mulher divorciada, ambas chefes de família marcada pela diversidade religiosa, conviveu desde muito cedo com a opressão das desigualdades, escassez de oportunidades e preconceito.
A sua vida estudantil foi entre escolas públicas e o Colégio Ana Tereza, tido como um dos melhores colégios particulares do bairro de Pau da Lima, onde ela só estudava graças às bolsas parciais ou integrais que conseguia com muito esforço.
"Quando era parcial, minha mãe pagava a diferença com trabalho. Ela sempre foi boa cozinheira e doava seu trabalho para as festas de formaturas de abecedário, alfabetização, quarta série. Era isso que custeava a diferença", relembra.
Dona Mariluce, mãe de Maíra, assim como dona Santa, sua avó, são as maiores inspirações desta advogada. Foram essas duas mulheres que despertaram nela sentimentos e percepção de mundo que, no final das contas, levaram Maíra a abraçar profissionalmente a vocação da defesa do próximo, tendo chegado a ser eleita vereadora mirim em seu bairro.
Matriarcado
Maíra nasceu em uma casa onde reina o matriarcado. Apesar de dona Santa ter tido oito filhos homens e duas mulheres, foi a sua avó a voz altiva na dianteira nas decisões familiares e quem sempre buscou a melhoria da comunidade ao redor. "Vi minha mãe e minha avó tendo um trato extremamente humanizado com as vizinhas que viviam situações de violência, abandono, desemprego. Minha avó era uma líder comunitária natural muito respeitada pela religiosidade", disse. Ela lembra que aos sábados era tradição uma família vizinha ir almoçar na casa de dona Santa. "Não tinha muita diversidade de gêneros alimentícios, mas havia quantidade e através dessa quantidade se fazia o compartilhamento; com um olhar sempre muito solidário que me sensibilizou. Percebia que isso na minha avó era algo divino". Nesse contexto familiar, o tio e colega de profissão Samuel Vida é outro nome de grande inspiração para Maíra. "Samuel tem uma trajetória impressionante. Entrou na Ufba com 16 anos mesmo estudando no Cleriston Andrade e no Azevedo Fernandes, colégios públicos com elevados índices de marginalidade, ocorrência de tráfico de drogas, todas as desvantagens. Ele é um ponto fora da curva". Apesar da precocidade e do talento visível, Samuel levou 10 anos para concluir o curso. Isso porque, dentre outros motivos, precisava trabalhar para se manter na universidade. "E, ainda tem o meu tio Saulo, outro grande referencial que é um trator para trabalho e está formando, agora, aos 54 anos de idade, em Direito.” Vida universitária
O ingresso de Maíra na Universidade Católica, onde também estudou com crédito educativo, se deveu muito ao fato d'ela, naquele momento, ainda partilhar do sentimento que oprime a base da pirâmide social. "Não tentei prestar vestibular para universidades públicas porque não achava que teria condições. Fui carrasca de mim mesma. Quebrado este ciclo, fui aprovada há quatro anos atrás em Ciências Contábeis, na Ufba, e dei seguimento”, descreve. Ao lembrar do quão dura foi consigo, deixa claro que aquele sentimento foi algo construído socialmente e que não nasce com os menos favorecidos e nem pode ser tachado de vitimismo. “Vem da forma social de produzir, comercializar, se relacionar e de pensar mesmo. Continuamos excluídos dos espaços históricos de poder, sem acesso à educação pública e saúde de qualidade, integrando postos de trabalho subalternizados, sendo as vítimas preferenciais da violência. O fato é que não conseguimos ainda romper com o legado colonialista no Brasil”, desabafou. Na universidade, espaço teoricamente voltado para o debate de ideias e crescimento intelectual, Maíra se deparou com um cenário pouco amistoso. Dentro da faculdade de Direito, inclusive, teve recusado o inciso VIII do Art. 5º da Constituição, que fala da prestação alternativa para os objetores de consciência. Em resumo, foi vítima de desrespeito e discriminação religiosa. Por ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Maíra tem por tradição reservar o período que vai do pôr do Sol de sexta-feira ao pôr do Sol de sábado para atividades religiosas. Mesmo com todo o amparo legal, ela não encontrou respaldo formal da universidade para exercer seu direito, salvo junto a alguns professores com quem dialogava e ajustava diretamente o cumprimento de obrigações alternativas. Mas, por esse motivo, chegou a ser ridicularizada. "Fui chamada de sexta-feira nos corredores, na sala de aula. Alguns colegas chegaram a se distanciar de mim por acharem que eu onerava a turma. Mas, ainda assim, mantive o equilíbrio e um bom score”. Mesmo não se sentindo parte daquele meio, Maíra se formou, fez bons amigos e conheceu outras pessoas que a inspiraram, dentre elas o professor de Direito Eleitoral Luiz Viana Queiroz. Chegada na OAB
As aulas com aquele que anos mais tarde viria a se tornar presidente da OAB-BA foram fundamentais para levar Maíra ao trabalho institucional. Além do contato com Luiz Viana na sala de aula, ela, no período da primeira eleição da chapa Mais OAB, trabalhava no escritório de Fabrício Castro, então candidato a vice-presidente. Maíra lembra que, motivada pelo respeito por Luiz Viana, participou ativamente de todo o movimento da candidatura. “Luiz é um constitucionalista nato, eleitoralista de mão cheia, um profissional que lida com o Direito de maneira artística. É um pintor do Direito”. Após a vitória, encaminhou à diretoria a proposta de criação de uma comissão que tratasse da liberdade religiosa, corroborando com demandas anteriores de colegas e movimentos sociais. Naquele momento, eram muitas pautas a serem pensadas para a advocacia e não foi possível criar a comissão. Porém, na segunda gestão, o Conselho foi favorável à criação da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa, ficando a presidência nas mãos de Maíra. Uma advogada na multidão, como se define, ela se sente honrada de poder trabalhar lado a lado da atual gestão da OAB-BA e do presidente Luiz Viana. “Luiz, como republicano e democrata que é, não deixaria de fora da política institucional pessoas que simbolizam a maioria da população, mas que ainda apontam para uma minoria representativa. A luta por paridade de gênero e racial deve ser feita, também, dentro da OAB pois ela interessa à toda sociedade, na qual está inserida a nossa categoria”, explica. Maíra, que hoje advoga na área Civil e defesa dos Direitos Humanos, vê de muito perto os problemas oriundos de uma sociedade desigual e coleciona experiências demais para se deixar levar por discursos meritocráticos. Ainda assim, enxerga no Direito um caminho para transformação social. “Somos uma classe honrada. Tenho muito orgulho de ser advogada e entendo que é uma vocação para arautos do estado democrático de direitos. Sempre devemos utilizar a Lei como ferramenta para a igualdade, buscando minimizar as disparidades e distorções sociais". Mulheres da OAB-BA
Em reconhecimento à participação feminina nos trabalhos da OAB-BA, a seccional deu início a uma série de reportagens especiais contando um pouco da trajetória de vida de algumas dessas mulheres que integram a Diretoria Executiva, o Conselho Seccional, CAAB, Escola Superior de Advocacia e as diversas Comissões da Ordem. A cada semana, será publicado um perfil contando a história e a trajetória profissional dessas advogadas que têm se dedicado à luta em defesa do Direito, algo indispensável para a expansão da Justiça na sociedade. Leia os textos já publicados
Ana Patrícia Dantas Leão: primeira vice-presidente da história da OAB-BA
Daniela de Andrade Borges: A Diretora Tesoureira
Ilana Campos: A Conselheira Federal
Dora Marcia Zalcbergas: A Presidente da Comissão do Idoso
Lia Barroso: Presidente da Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher
Andrea Marques: Presidente da Comissão da Mulher Advogada
Thaís Bandeira: Diretora da Escola Superior de Advocacia
Isabela Bandeira: Conselheira e Presidente da Comissão de Seleção
Sarah Barros Galvão: Vice-presidente do Conselho Jovem da OAB-BA Fotos: Angelino de Jesus (OAB-BA)
Maíra nasceu em uma casa onde reina o matriarcado. Apesar de dona Santa ter tido oito filhos homens e duas mulheres, foi a sua avó a voz altiva na dianteira nas decisões familiares e quem sempre buscou a melhoria da comunidade ao redor. "Vi minha mãe e minha avó tendo um trato extremamente humanizado com as vizinhas que viviam situações de violência, abandono, desemprego. Minha avó era uma líder comunitária natural muito respeitada pela religiosidade", disse. Ela lembra que aos sábados era tradição uma família vizinha ir almoçar na casa de dona Santa. "Não tinha muita diversidade de gêneros alimentícios, mas havia quantidade e através dessa quantidade se fazia o compartilhamento; com um olhar sempre muito solidário que me sensibilizou. Percebia que isso na minha avó era algo divino". Nesse contexto familiar, o tio e colega de profissão Samuel Vida é outro nome de grande inspiração para Maíra. "Samuel tem uma trajetória impressionante. Entrou na Ufba com 16 anos mesmo estudando no Cleriston Andrade e no Azevedo Fernandes, colégios públicos com elevados índices de marginalidade, ocorrência de tráfico de drogas, todas as desvantagens. Ele é um ponto fora da curva". Apesar da precocidade e do talento visível, Samuel levou 10 anos para concluir o curso. Isso porque, dentre outros motivos, precisava trabalhar para se manter na universidade. "E, ainda tem o meu tio Saulo, outro grande referencial que é um trator para trabalho e está formando, agora, aos 54 anos de idade, em Direito.” Vida universitária
O ingresso de Maíra na Universidade Católica, onde também estudou com crédito educativo, se deveu muito ao fato d'ela, naquele momento, ainda partilhar do sentimento que oprime a base da pirâmide social. "Não tentei prestar vestibular para universidades públicas porque não achava que teria condições. Fui carrasca de mim mesma. Quebrado este ciclo, fui aprovada há quatro anos atrás em Ciências Contábeis, na Ufba, e dei seguimento”, descreve. Ao lembrar do quão dura foi consigo, deixa claro que aquele sentimento foi algo construído socialmente e que não nasce com os menos favorecidos e nem pode ser tachado de vitimismo. “Vem da forma social de produzir, comercializar, se relacionar e de pensar mesmo. Continuamos excluídos dos espaços históricos de poder, sem acesso à educação pública e saúde de qualidade, integrando postos de trabalho subalternizados, sendo as vítimas preferenciais da violência. O fato é que não conseguimos ainda romper com o legado colonialista no Brasil”, desabafou. Na universidade, espaço teoricamente voltado para o debate de ideias e crescimento intelectual, Maíra se deparou com um cenário pouco amistoso. Dentro da faculdade de Direito, inclusive, teve recusado o inciso VIII do Art. 5º da Constituição, que fala da prestação alternativa para os objetores de consciência. Em resumo, foi vítima de desrespeito e discriminação religiosa. Por ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Maíra tem por tradição reservar o período que vai do pôr do Sol de sexta-feira ao pôr do Sol de sábado para atividades religiosas. Mesmo com todo o amparo legal, ela não encontrou respaldo formal da universidade para exercer seu direito, salvo junto a alguns professores com quem dialogava e ajustava diretamente o cumprimento de obrigações alternativas. Mas, por esse motivo, chegou a ser ridicularizada. "Fui chamada de sexta-feira nos corredores, na sala de aula. Alguns colegas chegaram a se distanciar de mim por acharem que eu onerava a turma. Mas, ainda assim, mantive o equilíbrio e um bom score”. Mesmo não se sentindo parte daquele meio, Maíra se formou, fez bons amigos e conheceu outras pessoas que a inspiraram, dentre elas o professor de Direito Eleitoral Luiz Viana Queiroz. Chegada na OAB
As aulas com aquele que anos mais tarde viria a se tornar presidente da OAB-BA foram fundamentais para levar Maíra ao trabalho institucional. Além do contato com Luiz Viana na sala de aula, ela, no período da primeira eleição da chapa Mais OAB, trabalhava no escritório de Fabrício Castro, então candidato a vice-presidente. Maíra lembra que, motivada pelo respeito por Luiz Viana, participou ativamente de todo o movimento da candidatura. “Luiz é um constitucionalista nato, eleitoralista de mão cheia, um profissional que lida com o Direito de maneira artística. É um pintor do Direito”. Após a vitória, encaminhou à diretoria a proposta de criação de uma comissão que tratasse da liberdade religiosa, corroborando com demandas anteriores de colegas e movimentos sociais. Naquele momento, eram muitas pautas a serem pensadas para a advocacia e não foi possível criar a comissão. Porém, na segunda gestão, o Conselho foi favorável à criação da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa, ficando a presidência nas mãos de Maíra. Uma advogada na multidão, como se define, ela se sente honrada de poder trabalhar lado a lado da atual gestão da OAB-BA e do presidente Luiz Viana. “Luiz, como republicano e democrata que é, não deixaria de fora da política institucional pessoas que simbolizam a maioria da população, mas que ainda apontam para uma minoria representativa. A luta por paridade de gênero e racial deve ser feita, também, dentro da OAB pois ela interessa à toda sociedade, na qual está inserida a nossa categoria”, explica. Maíra, que hoje advoga na área Civil e defesa dos Direitos Humanos, vê de muito perto os problemas oriundos de uma sociedade desigual e coleciona experiências demais para se deixar levar por discursos meritocráticos. Ainda assim, enxerga no Direito um caminho para transformação social. “Somos uma classe honrada. Tenho muito orgulho de ser advogada e entendo que é uma vocação para arautos do estado democrático de direitos. Sempre devemos utilizar a Lei como ferramenta para a igualdade, buscando minimizar as disparidades e distorções sociais". Mulheres da OAB-BA
Em reconhecimento à participação feminina nos trabalhos da OAB-BA, a seccional deu início a uma série de reportagens especiais contando um pouco da trajetória de vida de algumas dessas mulheres que integram a Diretoria Executiva, o Conselho Seccional, CAAB, Escola Superior de Advocacia e as diversas Comissões da Ordem. A cada semana, será publicado um perfil contando a história e a trajetória profissional dessas advogadas que têm se dedicado à luta em defesa do Direito, algo indispensável para a expansão da Justiça na sociedade. Leia os textos já publicados
Ana Patrícia Dantas Leão: primeira vice-presidente da história da OAB-BA
Daniela de Andrade Borges: A Diretora Tesoureira
Ilana Campos: A Conselheira Federal
Dora Marcia Zalcbergas: A Presidente da Comissão do Idoso
Lia Barroso: Presidente da Comissão de Proteção aos Direitos da Mulher
Andrea Marques: Presidente da Comissão da Mulher Advogada
Thaís Bandeira: Diretora da Escola Superior de Advocacia
Isabela Bandeira: Conselheira e Presidente da Comissão de Seleção
Sarah Barros Galvão: Vice-presidente do Conselho Jovem da OAB-BA Fotos: Angelino de Jesus (OAB-BA)