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Entrevista: Por uma novíssima revolução moral e ética no País

Belém (PA), 21/02/2010 - A entrevista "Por uma novíssima revolução moral e ética no País" foi publicada na edição de hoje (21) do jornal Diário do Pará:

O estilo firme, com críticas severas às instituições democráticas que não funcionam de acordo com a ordem constitucional, chamou a atenção do Brasil já no dia de sua posse. O paraense Ophir Cavalcante Jr., assumiu a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil no início de fevereiro. De lá pra cá já pediu a prisão preventiva do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (pedido que acabou sendo concretizado por intermédio do Superior Tribunal de Justiça), solicitou junto ao Ministério Público o impeachment do vice-governador do DF, Paulo Octávio, interveio junto ao então ministro da Justiça, Tarso Genro, para que a Polícia Federal passasse a participar das investigações sobre o desaparecimento de seis jovens da cidade de Luziânia, no Goiás, e ainda fez contundentes críticas ao Poder Judiciário nacional por sua lentidão.

Desde que tomou posse mantém a agenda lotada com compromissos e com entrevistas à imprensa, com a atenção totalmente voltada para os graves problemas nacionais. Ophir Cavalcante está exercendo - de fato - o papel de "presidente da sociedade civil brasileira", conforme determinam os compromissos da OAB nacional. E como defensor dos mais de 190 milhões de brasileiros, crédulos e incrédulos das instituições democráticas, o novo presidente da OAB promete fazer mais. Um dos passos ambiciosos toca fundo a saúde do povo brasileiro. Ophir Cavalcante vai propor ao Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, a criação de uma Comissão Especial para acompanhar os investimentos dos governos na área de saúde e ajudar a garantir um atendimento digno aos que precisam do Sistema Único de Saúde (SUS).

Nesta entrevista concedida ao DIÁRIO em um breve intervalo em sua agenda, Cavalcante falou de seus projetos para a Ordem no triênio 2010 a 2013:

P: Com pouco tempo no comando da OAB o senhor chamou atenção do país pela firmeza de posições. Está surgindo uma nova OAB?

R: Na verdade, os assuntos têm sido prementes e a Ordem tem que ter um papel de vanguarda e coragem para apontar caminhos para a sociedade brasileira. Nós não vamos fazer críticas açodadas. Nós não queremos, em absoluto, abrir frentes de batalha. Nós queremos que cada um cumpra seu papel: que o advogado cumpra seu papel, que o juiz cumpra seu papel, que o Ministério Público cumpra seu papel, que os governantes cumpram seu papel. A Ordem não vai deixar de fazer críticas. Sua missão é defender a sociedade e a liberdade. A Ordem continuará nesta luta de abrir caminhos e construir pontes. Esse é o nosso objetivo maior.

P: A sociedade brasileira está assustada e ao mesmo tempo feliz por ter alguém falando de forma tão firme...

R: Não me considero e nem tenho essa ousadia de me considerar uma liderança local ou nacional. Apenas estou exercendo, com dignidade e com coragem, o meu cargo, de presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, que para alguns é considerado o presidente da sociedade civil brasileira.

P: No seu discurso de posse o senhor homenageou seu pai, o advogado paraense Ophir Cavalvante. Que comparações faz do período em que seu pai foi presidente da Ordem e o atual?

R: São momentos muito diferentes. Meu pai foi presidente da Ordem entre 1989 e 1991, quando o Brasil entrava em um período de afirmação da sua democracia, no qual se lutava contra os planos econômicos. O então presidente Collor assumiu e houve necessidade de combater medidas provisórias. Estamos vivendo agora uma maior afirmação da democracia e temos um desafio que se acentuou, que é a corrupção no serviço público. Nesse momento precisamos unir forças. O Brasil é feito de homens e mulheres de bem que querem um Brasil mais justo e não mais admitem este estado de corrupção tão grande.

P: O senhor vem de um Estado no qual a questão do desmando, do descaso às leis, predomina nos noticiários nacionais...

R: Tenho um orgulho muito grande de ser paraense. Para mim o Pará é, junto à advocacia, um grande orgulho que tenho em minha vida. Este é um momento de engrandecimento para o nosso Estado, sem falsa modéstia, por que um dos seus filhos consegue galgar este posto, que é muito importante dentro da República do Brasil. Isso traz um desafio maior, que é o desafio que o paraense tem, de se superar cada vez mais.

P: Ano passado a população do Pará, sobretudo a de Belém, passou por um problema gravíssimo na área da saúde. Como o senhor atuou com relação a isso e o que pretende agora à frente da OAB?

R: Esse problema é uma questão nacional e não apenas do Pará. Esta deficiência da saúde pública é uma deformação do Estado brasileiro que, durante muitos anos, não investiu na saúde e na educação do país. Isso precisa ser corrigido e precisamos cada vez mais contribuir neste sentido. Acompanhei a gestão da presidente Ângela Salles (ex-presidente da OAB-PA), que participou ativamente, através da Comissão de Saúde, com a colega Cristina Carvalho à frente, tentando resolver situações. Nós queremos trazer esta experiência do Pará para o nível nacional da OAB, no sentido de ajudar as pessoas a terem acesso à saúde. Vamos criar no Conselho Federal uma comissão que vai lutar para que as pessoas tenham cada vez mais acesso à saúde e a remédios por parte do poder público. Isso é fundamental para que tenhamos uma população cada vez mais sadia e que confia no sistema de saúde pública do Brasil.

P: Essas deficiências resultam numa situação de judicialização da saúde...

R: A saúde pública gerou um problema que saiu da esfera administrativa estatal e passou para a esfera judicial. Infelizmente os gestores não conseguiram dar vazão à demanda da sociedade, seja por descaso, seja por falta de condições, enfim, por vários motivos. E então surge o papel do Judiciário, que está para resolver as questões que nos são apresentadas. Não pode haver nenhum problema que o Judiciário não resolva. Neste momento as pessoas têm o direito e o dever de procurar a Justiça para que ela possa fazer a vez do gestor que não conseguiu atender à justa demanda da sociedade.

P: A OAB Pará está em campanha para criar o Tribunal Federal Regional para a Amazônia, com sede em Belém. A OAB nacional apoia esta demanda?

R: O TRF da Primeira Região, que é o tribunal que tem jurisdição sobre o Pará, tem jurisdição também sobre outros 13 estados. Evidentemente que ele não pode prestar os serviços como a sociedade merece, que é um serviço perto do cidadão, com mais varas, mais rápido. Eu já disse anteriormente, e volto a repetir que, para nós o TRF é um monstrengo judiciário que precisa ser enfrentado. E a forma de enfrentar este monstrengo é dividir para somar. Nossa proposta é dividir o TRF da Primeira Região em tantos tribunais quanto forem necessários. Acredito que agora não seja o momento de se dizer se a sede vai ser em Belém ou em Manaus. O ideal seria que tivéssemos até mesmo duas sedes, ou um tribunal por Estado. Mas nesse momento, se nós formos pensar desta forma, não conseguiremos um tribunal para a Amazônia.

P: O senhor vem acompanhando a polêmica sobre a construção da usina de Belo Monte e o atrito entre a Advocacia Geral da União e o Ministério Público do Pará...

R: Belo Monte é uma demanda que já está presente na vida do Pará há mais de duas décadas. O projeto gera uma polêmica que é a de todos os grandes projetos que tratam da questão ambiental: ou o homem ou o ambiente? Essa é uma questão complexa no mundo inteiro, não apenas no Brasil. Eu ouvi a população de Altamira e constatei que eles têm em Belo Monte a redenção econômica e financeira para a região. Neste sentido, Belo Monte viria para dar uma resposta de desenvolvimento. Também ouvi os reclames das populações indígenas, da igreja por meio da Prelazia do Xingu, no sentido de que a construção seria nefasta para a região. São questões com as quais temos que ter um pouco de cautela para a análise. Mas é preciso ter em mente que o bem estar do homem é o objetivo de todos. Desenvolver qualquer projeto que beneficie o homem e ao mesmo tempo tenha menos reflexos no ambiente seria o ideal sem excessos e conflitos.

P: Qual vai ser o papel da OAB durante a campanha eleitoral de 2010?

R: A OAB estará vigilante. E é fundamental que a sociedade brasileira esteja vigilante. Tenho certeza de que nós vamos passar por um processo de conscientização cada vez maior na sociedade brasileira sobre a importância do voto e da proteção que devemos dar para que ele possa ser dado com liberdade. Estamos evoluindo neste sentido, fortalecendo a democracia, apesar de ocorrerem ainda alguns erros.

P: Foi o caso, por exemplo, do pedido de prisão do governador Arruda?

R: A OAB cumpriu seu papel em defesa da Constituição e da moralidade pública ajuizando o pedido de prisão do governador no sentido de prevenir, com o bloqueio dos seus bens e de todos os deputados envolvidos, no sentido de proteger o erário do Distrito Federal. Se houver qualquer comprovação de que houve má versação do dinheiro público, com os bens bloqueados fica garantida a proteção do dinheiro público.

P: O senhor defendeu em seu discurso de posse que um dos objetivos da OAB é retirar o Brasil da 75ª posição no ranking das nações mais corruptas do planeta...

R: O ranking é de levantamento da ONG Transparência Internacional, divulgado em novembro de 2009. Essa cultura perversa traz consequências danosas para os diferentes setores da vida brasileira. E é nesse cenário, com todas as suas limitações, que teremos que operar milagres. Os poderes constituídos precisam assumir suas responsabilidades diante desse quadro. E há várias ações simultâneas a serem implementadas, cujo objetivo único pode ser resumido naquela Constituição que Capistrano de Abreu, há mais de um século, sugeriu para o Brasil: "Artigo 1º: Todo brasileiro deve ter vergonha na cara; artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário." Vergonha na cara é a receita básica de nossa emancipação. Somente com ela - e a partir dela - poderemos considerar a República efetivamente proclamada. E nós podemos fazer essa revolução moral e ética, pois a imensa maioria da população brasileira é formada por pessoas de bem, que trabalham dia e noite; que recolhem, com grande dificuldade, pelo menos quatro meses de salários por ano em impostos para permitir que o Estado promova o bem comum. Mas ele não promove. Essa virada ética depende de nós. Vamos exigir decência; vamos exigir e repudiar pelo voto aqueles que não têm vergonha na cara.

P: O senhor fez críticas recentes ao Judiciário. Qual deve ser o papel deste poder na vida do cidadão brasileiro?

R: Todas essas ações, que precisam envolver a sociedade, precisam estar em conjunção com uma premissa básica: o fortalecimento das instituições. O fortalecimento do Poder Judiciário. Sem um Judiciário forte, prestigiado, não há advocacia forte e prestigiada. São as duas faces de uma mesma moeda: a Justiça. É dever estatutário da OAB zelar pelas instituições jurídicas. Advocacia e magistratura são papéis que se complementam na tarefa única de produzir justiça. E é de justiça que o Brasil mais carece, para corrigir disparidades sociais e anomalias morais. Há necessidade de ampliar os controles do Judiciário e do Ministério Público sobre si próprios, melhorar a estrutura e a gestão de ambos para que possam exercer na plenitude seu papel e trabalhar por novas práticas que os aproximem da sociedade.