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Editorial: Limpeza sob pressão

Recife (PE), 23/05/2010 - O editorial "Limpeza sob pressão"foi publicado na edição de hoje (23) do Jornal do Commercio, de Pernambuco:

"A votação do projeto Ficha Limpa no Senado, na última quarta-feira, foi um exemplo do efeito positivo que a pressão democrática pode exercer sobre o aperfeiçoamento das instituições. No caso, o aperfeiçoamento diz respeito à correção da distorção que permite a candidatos condenados concorrerem às eleições e, depois, exercerem seus mandatos tranquilamente. Com o Ficha Limpa finalmente em vigor, depois que passar pela sanção do presidente da República e pela análise do momento de sua aplicação pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quem tiver sido condenado em segunda instância estará inelegível por oito anos. Para a terra da impunidade abençoada pelo direito ao voto, trata-se de inegável avanço.

A poucos meses do início de nova campanha e de nova corrida às urnas, os senadores não quiseram se expor aos perigos de contrariar o clamor popular criado em torno do projeto. Desde setembro, quando o Ficha Limpa atracou no Congresso com 1,6 milhão de assinaturas, o volume da pressão tem aumentado, com ampla repercussão nos meios de comunicação e nas redes sociais da internet. Antes da votação no plenário, os senadores tiveram suas caixas de e-mail abarrotadas por mensagens pela aprovação do projeto. O resultado foi um placar surpreendente de 76 a zero, gerando uma onda de otimismo nas praças virtuais como Twitter e Facebook que chegou com menor força, mas chegou, aos órgãos de imprensa e aos analistas políticos nacionais.

Ao lado da dúvida sob o período de vigência se valerá para as eleições deste ano ou somente para 2012 a votação trouxe ainda outra polêmica, por causa da alteração de um trecho do projeto pelo senador Francisco Dornelles. A nova redação, que modificou tempos verbais, daria margem à interpretação de que os processos antigos estariam imunes à vacina do Ficha Limpa. No entanto, o senador Demóstenes Torres, relator do projeto no Senado, afastou essa possibilidade. Segundo o senador, a lei submeterá todos os processos às novas regras, mesmo aqueles que se encontram em andamento. Apenas os processos encerrados estão fora do alcance do impedimento. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, responsável pelo recolhimento de assinaturas e pelo encaminhamento do projeto popular ao Congresso, manifestou a mesma posição, apaziguando os ânimos que já começavam a se revoltar com toda razão com a mudança de última hora. É possível que os políticos diretamente afetados pela legislação corretiva submetam questionamentos à Justiça sobre o teor dessas modificações. Mas como destacou o relator, o artigo 3º do Ficha Limpa é claro, quando dispõe acerca dos recursos interpostos antes da vigência da lei. Compreensão semelhante foi externada pelo secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Coelho.

Apesar do abrandamento sofrido na Câmara, quando enfrentou a tesoura e o temor de muitos deputados, o projeto aprovado pelo Senado segue para as mãos do presidente Lula e para o julgamento do TSE como um verdadeiro marco positivo na política brasileira. Mesmo que o TSE considere sua aplicação válida apenas para 2012, é provável que o efeito profilático se dê em outubro próximo. Há quem diga que um quarto das candidaturas previstas para o pleito sejam revistas, em virtude do Ficha Limpa.

A bola está com o presidente Lula. A mesma mobilização popular que pôs deputados e, principalmente, os senadores, na berlinda, deve solicitar pressa para a sanção do Executivo. Tomara que o presidente não preste atenção excessiva na apreensão de aliados pendurados por processos, como o deputado José Genoino e o senador Romero Jucá, que argumentaram contra o projeto. A impunidade é uma chaga mãe de outras chagas, como a corrupção e o patrimonialismo. A limpeza sob pressão que se desenha com a aprovação da lei da Ficha Limpa, por outro lado, configura modernização operada de fora para dentro das instituições, a partir da iniciativa legítima da sociedade em direção aos canais apropriados, como o Parlamento. Com o Ficha Limpa, a democracia no Brasil dá um passo a frente."