Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial presta homenagem a Patrícia Lima
A Ordem das (os) Advogadas (os) do Brasil, Seccional Bahia, através da Comissão de Promoção da Igualdade Racial, vem, no Mês de Julho de 2020, homenagear Advogadas Negras no “Julho das Pretas” em mais um projeto da CPIR que visa enfrentar o racismo e suas implicações, traz a público breves palavras que são incapazes de exaurir a respeitável contribuição da Patrícia Lacerda Trindade de Lima para o direito antidiscriminatório e para a sociedade baiana quando esteve à frente da CPIR no sistema OAB.
Patrícia Lacerda Trindade de Lima, ou apenas Patrícia Lima, como é conhecida profissionalmente, nascida em Salvador, filha mais nova de Osenildes Lacerda Trindade e Raimundo Nonato de Lima, uma família negra que desde sempre teve a educação como pilar fundamental. Sua mãe , Bióloga, e seu pai, Mecânico, sempre a incentivaram e se dedicaram para que ela e seu irmão tivessem uma boa formação escolar. Por isso, no pré-escolar, primário até metade do ginásio estudou no Colégio Alfred Nobel, escola particular tradicional de Salvador, local onde era a única negra da turma, assim como ocorria com o seu irmão dois anos mais velho.
No segundo grau, ela decidiu, juntamente com a família, estudar no Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (atual IFBA). Concluiu o curso técnico em Geologia, experiência que reporta como enriquecedora e que, por ser técnico-profissionalizante, lhe permitiu ter contato com outras realidades. Foi também onde frequentou seu primeiro estágio, na Companhia Baiana de Pesquisa Mineral. Apesar do fascínio que a Geologia lhe causou, especialmente na área de Mineralogia que inclusive a tornou uma colecionadora de minerais, foi nesse momento da vida que teve certeza que sua verdadeira vocação estava na área de Humanas.
Desde cedo sempre gostou de ler muito: lia os seus livros escolares paradidáticos e do seu irmão mais de uma vez, além de ser uma frequentadora assídua da Biblioteca da escola. Ao concluir o curso técnico e se inscrever para o vestibular, ficou em dúvida entre História ou Direito mas, ao conhecer mais sobre o Direito, se identificou totalmente e escolheu essa área com muita certeza.
Cursou Direito na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus.. Assim como em toda a trajetória escolar, vivenciou esse período com muita tranquilidade, pois sempre teve o estudo com um prazer, muito mais que uma obrigação. No quinto semestre foi aprovada em concorrida seleção pública para estagiar no Ministério Público Estadual de Ilhéus, período que reputa como de grande aprendizado e amadurecimento.
Desde criança, Patrícia Lima sempre se reconheceu enquanto uma pessoa negra, o que atribui a sua criação, pois sempre foi orientada pelos seus pais para tal reconhecimento, especialmente para que pudesse lidar adequadamente com as práticas discriminatórias que infelizmente pudesse vivenciar. Sua formação familiar envolveu a construção de uma identidade enquanto pessoa negra, o fortalecimento da sua autoestima e a consciência do que isso representa na sociedade brasileira.
Em sua mente, sempre ecoa as sábias palavras de sua mãe: “na vida, nunca esqueça que você não é melhor do que ninguém e ninguém é melhor do que você”. Na Universidade, considera que a escolha em estudar o tema foi natural pela sua criação. Naquela época não era obrigatório fazer Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), mas escolheu fazer. Lembra que se sentiu provocada pela fala do seu professor orientador, Paulo Bezerra, que ao responder à pergunta sobre como escolher o tema para pesquisar, ele respondeu que o tema a ser escolhido por ela para o TCC era o que lhe causasse inquietação, pois era essa inquietação que iria estimular o seu estudo. Naquele momento, não teve mais dúvidas e decidiu que pesquisaria a questão racial no Brasil. Então, ainda na Universidade, ela começou a se dedicar à pesquisa do tema e estuda o assunto ininterruptamente até hoje. A inquietação nunca cessou.
Concluiu o curso de Direito no final de 2003 e em 2004 voltou a residir em Salvador. Advogou de forma autônoma; depois trabalhou como advogada-monitora no Serviço de Orientação e Assistência Jurídica (SOAJ), da OAB/BA, atuando nas áreas de família e na cível. Posteriormente, trabalhou no escritório MMC Zarif como advogada contratada, atuando nas áreas cível e consumerista. Nessa época, recebeu convite para trabalhar na Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo do Estado da Bahia, onde atuou como Assessora Especial e Coordenadora da Agenda Bahia do Trabalho Decente. Durante essa experiência, descobriu sua vocação para trabalhar com promoção de política pública, na perspectiva de contribuir para a melhorar as condições de vida e trabalho das pessoas. Em 2011 concluiu a Especialização em Direito Público pela Universidade Salvador - UNIFACS e tratou da temática racial na Monografia de conclusão de curso.
No decorrer dos anos Patrícia Lima tem se aprofundado na temática das relações raciais no Brasil e do racismo, com especial atenção para o período pós-escravidão, estudando especialmente a perspectiva histórica-sociológica, analisando a questão racial e a responsabilidade do Estado brasileiro, o preconceito e a discriminação raciais no mundo do trabalho, a intersecção de gênero e raça e as relações destes elementos com a pobreza e a desigualdade. Para ela, pesquisar esses temas é uma escolha de vida.
A respeito da sua relação com a OAB-BA, Patrícia frisa que isso se entrelaça com a sua dedicação ao estudo da temática racial. Rememora que, retornando para Salvador após a conclusão do curso universitário, costumava participar de eventos sobre essa temática. Com isso, a partir de pessoas que foi conhecimento e dos contatos que foi fazendo, ela conheceu a advogada Rosilene Apresentação, que era Secretária-Geral Adjunta da OAB/BA, que foi a responsável pela mobilização institucional que resultou na criação da Comissão de Proteção e Defesa dos Direitos dos Afrodescendentes (Gestão 2004/2006), sendo a principal motivadora para que Patrícia participasse desta Comissão, que futuramente passou a ser denominada de Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial . Naquele período, ela integrou também a Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Lazer (Gestão 2004/2006). Como membro, participou ativamente das atividades das duas Comissões.
Com esse histórico de ativa atuação institucional e de pesquisa no tema, foi convidada alguns anos depois para presidir a Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial da OAB/BA na primeira gestão do presidente Luiz Viana (2013/2015). Recebeu com muita honra o convite e assumiu tendo o entendimento de que era uma grande responsabilidade. Relembra com muito carinho dessa época, analisando a sua participação na Comissão como enriquecedora. Afirma que foi um período de troca, dedicação e aprendizado coletivo, pois era uma Comissão composta por um grupo de pessoas interessadas em colaborar, que se reuniam para pensar iniciativas e atividades que possibilitassem cumprir a missão da Comissão.
Durante a sua gestão na presidência, a Comissão fez atividades que considera como memoráveis, a exemplo do evento público “Consciência Racial para além do Novembro Negro” (*1) voltado para a sociedade, ocasião de intenso envolvimento dos membros e que contou com a parceria de diversas instituições. Além de ter realizado outras atividades, tais como: recebimento e encaminhamento de denúncia de racismo; elaboração de nota de repúdio contra declarações racistas; apoio a atividades diversas voltadas para combate ao racismo e intolerância religiosa; elaboração de texto sobre a temática racial para cartilha “OAB vai à Escola” - parceria da OAB/BA com a Secretaria de Educação do Governo da Bahia; entre outras. A Comissão em sua gestão também promoveu diversas atividades voltadas para disseminação de conhecimento, promoção de diálogo social e articulação para pensar estratégias efetivas de ação, a exemplo do seminário “Trabalho sob a ótica do gênero e raça: importância do debate e promoção da igualdade nas políticas públicas” (2013) (*2); seminário “Juventude negra, mulher negra e mercado de trabalho: barreiras, desafios e conquistas” (2014); mesa redonda sobre “Intolerância religiosa e liberdade de expressão” (2015); lançamento do estudo temático as desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho da Bahia nos anos 2000 (2014); publicação das reflexões pelo dia 21 de março (*3); aprovação de tese no XVII Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho na condição de representantes da sociedade civil; dentre outras. Foi uma época marcada por intensas parcerias institucionais da Comissão, que inclusive impulsionaram a realização de muitas dessas atividades. Também relata que no período da sua presidência criou-se a marca da Comissão.
Patrícia se recorda que a Comissão tinha todo apoio da Presidência e envolvimento ativo de membros, o que possibilitou cumprir da melhor forma possível as atividades planejadas. Quando passou a presidência para a jovem advogada Dandara Amazzi Lucas Pinho, que era membra da Comissão, relata que, além da sensação de dever cumprido, tinha certeza naquele momento que Dandara realizaria um grande trabalho. Em sua trajetória, Patrícia Lima ainda presidiu por um período a Coordenação de Igualdade Racial do Conselho Federal (Gestão 2013/2015) e a Secretária da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil do Conselho Federal da OAB (2016/2018).
Paralelamente a sua atuação nas Comissões da Ordem, Patrícia seguia construindo sua carreira profissional. Após seis anos atuando na Secretaria do Trabalho, assumiu o cargo de Coordenadora Executiva da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo da Bahia. Posteriormente, trabalhou como consultora da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Depois, foi contratada na condição de funcionária da OIT, passando a residir em Brasília, onde coordenou projetos da Organização nos estados do Pará, onde foi responsável pelo lançamento da Agenda Regional de Trabalho Decente de Carajás, e em São Paulo, responsável por projeto voltado para a melhoria das condições de trabalho no setor têxtil no Estado de São Paulo, tendo como público alvo imigrantes trabalhadores e donos de oficinas.
No que tange a sua atuação como advogada, Patrícia Lima ressalta o desafio que é ser uma “mulher, negra e advogada”, em uma sociedade que discrimina pessoas negras e mulheres. E, no início da carreira, ainda se somava a estes elementos o desafio de ser jovem. Mesmo sendo vítima do racismo implícito ou explícito durante momentos diversos da sua vida, ela salienta que é importante ter em mente que o racismo é um problema da sociedade. E, por ter consciência racial desde a infância, ela sempre conseguiu perceber isso, que o problema está na outra pessoa, que comete o ato racista. Reflete que, no exercício da profissão, a questão geracional, a de gênero e a de raça são três elementos que, como no restante da sociedade, devido a preconceitos, discriminações, racismo e sexismo, geram barreiras simbólicas e contínua desconfiança sobre a competência e a capacidade profissional, exigindo um esforço pessoal para superar tais barreiras. Por outro lado, Patrícia considera que tais situações a levaram a entender a necessidade constante de pautar institucionalmente a Ordem para abordar essas questões como pautas prioritárias, no intuito de assegurar condições de trabalho decente para todos e todas que exercem a advocacia e para colaborar na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Patrícia se orgulha muito de ser advogada. Desde a entrada na Universidade ela tinha certeza de que fez a escolha certa da sua profissão. Sua formação sempre foi um diferencial na sua carreira, trazendo uma expertise que sempre contribuí muito em suas diversas atividades profissionais. Ter participado da Comissão também foi importante para ela entender a fundo a importância da atuação institucional e do papel da OAB para a classe de advogados/as e para a sociedade, bem conhecer e aprender sobre a dinâmica de ocupar e atuar em determinados espaços.
Atualmente, Patrícia é Associada Fundadora e Diretora Executiva do Instituto Trabalho Decente, uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, com sede em Brasília e atuação em todo o território nacional, que tem a finalidade promover os direitos humanos no mundo do trabalho, o trabalho decente e o desenvolvimento sustentável, com foco na inclusão socioeconômica de pessoas, grupos e comunidades vulneráveis. Assim, ela continua trabalhando para melhorar a condição de vida e trabalho das pessoas, especialmente as mais vulneráveis, tendo a promoção do diálogo social como algo fundamental do seu trabalho e a questão racial como tema transversal. O seu trilhar encontra-se respaldo no apoio da sua família, na consciência de quem ela é em muito estudo. E o acúmulo de conhecimento que ela possui é também fruto de todas essas vivências, tendo sempre como norte a necessidade de atuar para combater o racismo, as desigualdades e as opressões.
Como uma criança que lia muito, Patrícia se tornou uma amante da escrita e atualmente é autora de romance, narrativas, cartilhas informativas e artigos técnicos. Além disso, frisa-se que ela não trata apenas da temática racial. Ela é especialista em temas como: trabalho decente, políticas públicas para o desenvolvimento sustentável, diálogo social, implementação da transversalidade na política pública, combate ao trabalho escravo, gênero e mercado de trabalho. E tudo que ela é hoje, é fruto de cada etapa da sua trajetória, inclusive quando presidiu a Comissão Especial de Promoção à Igualdade Racial, o que reconhece como um dos pontos mais marcantes de sua história. Ela frisa que a Comissão é uma grande referência, que entende com uma atuação diferenciada, pois contribui para além da classe em si, mas sim, para toda a sociedade.
Nós, agradecemos profundamente vosso trabalho em prol da advocacia baiana e o apoio sempre deferido aos movimentos negros.
Emanuele Celina de Souza
Membra da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-BA
Dandara Amazzi Lucas Pinho
Presidenta da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB-BA
*1 - Disponível em: < http://www.oab-ba.org.br/noticia/oab-da-bahia-em-paripe-seminario-consciencia-negra-para-alem-do-novembro-negro> Acesso em 26 de jun. de 2020.
*2 - Disponível em: <http://www.oab-ba.org.br/noticia/comissao-de-igualdade-racial-da-oab-bahia-e-fetipa-realizaram-seminario-sobre-trabalho-infantil> Acesso em 26 de jun. de 2020.
*3 - Disponível em: <http://www.oab-ba.org.br/noticia/reflexoes-pelo-dia-21-de-marco>. Acesso em 26 de jun. de 2020.