Artigo: O Parlamento sangra
Curitiba (PR), 19/04/2009 - O artigo "O Parlamento sangra" é de autoria do presidente da Seccional da OAB do Paraná, Alberto de Paula Machado, e foi publicado na edição de hoje (19) do jornal Gazeta do Povo:
"O autor da primeira obra sobre Política definiu-a como uma ciência que tem por objetivo a felicidade do homem, dividindo-a em Ética (a felicidade individual) e Política (a felicidade coletiva). Quando Aristóteles escreveu o tratado sobre Política ressaltou que o bem comum está acima do bem particular.
Cento e oitenta e seis diretores do Senado, com os salários, mas sem a função. Empregada doméstica com salário de assessora de um parlamentar. Deputado proprietário de um castelo pagando serviços privados com dinheiro público. Sogra do senador que há seis anos é funcionária fantasma. Conta do celular usada pela filha, mas paga pela verba pública do senador. Atriz e modelo viajando com passagens pagas pelo Congresso Nacional. Diariamente são descobertos 3,8 casos de corrupção no Brasil, segundo a ONG Transparência Brasil. O filme de horror chegou ao ponto de um respeitável senador sugerir um plebiscito para o fechamento do Congresso!
É de se perguntar por onde anda a Política conceituada por Aristóteles ?
Há uma doença de ordem moral grassando no país. O Parlamento se desmoraliza, perde credibilidade, divorcia-se da sociedade. O Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas nos estados e as câmaras municipais, a cada dia, são alvo de notícias denunciando funcionários fantasmas, uso indevido de verbas públicas, aposentadorias indevidas, favorecimento pessoal, etc.
O nosso sistema político parece condenado a não funcionar direito. Um candidato tem de fazer tantas concessões, tem que gastar tanto dinheiro, que acaba refém de interesses de grupos. O nosso sistema eleitoral faz com que não exista um compromisso real entre o eleitor e o eleito. E este acaba fazendo o que é melhor para seus interesses. O sistema representativo brasileiro não representa ninguém.
A maneira sinuosa com que os partidos executam suas manobras no teatro político, fazendo e desfazendo alianças, longe de mostrar compromissos sérios com os interesses da sociedade, apenas exibem seus interesses individuais ou de grupos, agindo abertamente para acomodar interesses e correligionários, indiferentes ao julgamento que a sociedade pode fazer de seus atos. Esse sistema decretou a morte da política com P maiúsculo.
Apesar de todas essas mazelas, é preciso que se diga que ainda a democracia é o melhor sistema, pois, como disse Winston Churchill, "a democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais que já existiram".
Mas não pode haver democracia sem respeito ao Parlamento. E não há como haver respeito ao Parlamento se todos os dias revela-se algo que se fez de errado ali.
Há um enorme risco institucional embutido nessa sucessão de escândalos sem fim. A ausência de medidas eficazes, legais ou administrativas, para impedir, investigar e processar rapidamente os casos está levando a uma perda de legitimidade na autoridade. A cada escândalo o edifício da democracia é solapado e seus alicerces são corroídos.
Os mecanismos de fiscalização do Estado são muito eficientes para punir o cidadão comum, mas absolutamente ineficazes para combater a chaga que consome o país: a corrupção, seja ela sob a forma de apropriação direta de recursos públicos ou sob formas mais brandas (mas tão nocivas quanto a primeira) como o favorecimento pessoal, a facilitação de contratos públicos com correligionários, com financiadores de campanha, etc.
A sociedade brasileira precisa romper com sua passividade. Precisamos resgatar a democracia representativa - que é vital para as liberdades democráticas. Ela se tornou refém de uma situação que impede a sociedade de encaminhar suas demandas.
Está mais do que na hora de iniciarmos um amplo debate sobre uma profunda reforma política no país. Uma reforma que coloque o ser humano no centro das ações políticas, em lugar do dinheiro. Para tanto precisamos trabalhar para diminuir a influência do poder econômico nas eleições e no exercício do mandato. Uma reforma que possibilite uma estreita ligação do detentor de mandatos com o eleitor."