Artigo: A força do STF não está na liturgia, mas nas decisões do colegiado
Leia o artigo do presidente da OAB da Bahia, Fabrício Castro, publicado na manhã deste domingo (10) pelo Conjur:
A força do STF não está na liturgia, mas nas decisões do colegiado
No Livro I de sua obra “Meditações”, o imperador Marco Aurélio, conhecido como o último dos cinco bons imperadores romanos e talvez o homem mais poderoso de sua época, diz ter aprendido com o pai “a indiferença para com a vaidade de supostas honrarias”. As lições do imperador filósofo ficaram para a posteridade, mas não foram assimiladas por todos.
Na última quarta-feira (6/11), no Supremo Tribunal Federal (STF), durante julgamento do recurso extraordinário em que se discute a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, o ministro Marco Aurélio interrompeu a sustentação oral da advogada baiana Daniela Borges, conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil e presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, para repreendê-la por ter se referido aos integrantes da corte usando o pronome de tratamento “vocês”, em vez de “vossas excelências”, como manda a liturgia.
Não pretendemos aqui negar a liturgia própria do Judiciário, mas questionamos a razoabilidade de, diante de matéria de tanta relevância social e do expresso reconhecimento legal, contido no artigo 6º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), de que “Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”, um ministro do STF dê tamanha importância à liturgia a ponto de interromper a sustentação oral de uma advogada, que representava ali não apenas a OAB, mas também os interesses das mulheres parturientes de todo o país. Não à toa, o gesto do ministro causou grande repercussão negativa na imprensa e nas mídias sociais.
A OAB, cuja dupla missão volta-se para a advocacia, na garantia das nossas prerrogativas profissionais, e para a sociedade, na defesa da Constituição e do Estado democrático de direito, tem profundo respeito pelo STF, órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, e por seus ministros.
Nossa Suprema Corte tem atribuições fundamentais para a democracia, tanto como tribunal de terceiro grau de jurisdição para litígios concretos, quanto como tribunal constitucional que verifica a conformidade de leis e decretos em relação à Carta Magna do país, para não permitir que atos hierarquicamente inferiores à Constituição Federal afrontem suas premissas.
Entretanto, diante do momento conturbado que o país atravessa, consideramos que seria muito mais apropriado que estivéssemos discutindo o papel do Supremo Tribunal Federal no nosso sistema jurídico e na nossa democracia, do que os preciosismos no tratamento reservado aos seus ministros.
Nesta perspectiva, entendemos que a força do STF, fundamental para o equilíbrio entre os poderes da República, está nas suas decisões colegiadas, indispensáveis para garantir a segurança jurídica e a estabilidade que o país precisa para se desenvolver.
Hoje, porém, esse equilíbrio é comprometido por um verdadeiro superpoder conferido aos ministros, que podem conceder uma liminar, ou pedir vista num processo, e passar anos sem submeter o caso para que o plenário o aprecie. Deste modo, temas importantes para o país podem passar anos em suspenso e leis aprovadas têm vigência interrompida, pela decisão de um único ministro.
Já vai longe o tempo em que as decisões do Estado cabiam aos imperadores e mais longe ainda o tempo em que os imperadores se proclamavam deuses. A força e a firmeza do STF, que o fará resistir às pressões e ameaças de todo tipo, não está na liturgia, nem no superpoder de seus ministros, mas nas decisões do seu colegiado. Só assim conseguiremos assegurar a vigência plena do Estado de Direito, da Constituição da República e do Império da Lei.
Fabrício Castro
Presidente da OAB da Bahia