A Perícia do Grampo
São Paulo, 02/08/2009 - Na última semana, a divulgação de uma conversa telefônica gravada pela Polícia Federal durante a Operação Navalha, em 2006, serviu para aquecer a fervura em que se encontra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Trata-se de um diálogo ocorrido no dia 9 de agosto às 17h33 entre o empreiteiro Zuleido Verás, dono da Gautama - a empresa-alvo da operação -, e um interlocutor que se identifica apenas como Mauro. Na época, a Gautama era responsável pela ampliação e modernização do Aeroporto de Macapá, que Zuleido define como uma obra de Sarney.
A primeira frase gravada atribuída pela Polícia Federal a Zuleido diz o seguinte: Vou chegar à casa de Sarney já, já. A agenda de Zuleido mostra que naquele dia ele de fato esteve em Brasília e a divulgação da gravação foi o suficiente para que parlamentares da oposição elevassem o tom do coro que pede a renúncia de Sarney. O grampo da Operação Navalha seria a prova da ligação do senador com o empreiteiro que em 2007 foi preso e denunciado pelo Ministério Público sob a acusação de formação de quadrilha, corrupção, superfaturamento de obras públicas e tráfico de influência. O problema é que não passou uma semana e a prova não se mostrou tão robusta como queria a oposição. Na quarta-feira 29, depois de analisar a gravação, o perito Ricardo Molina de Figueiredo, emitiu um laudo em que atesta que a frase atribuída a Zuleido não foi dita pelo empreiteiro. Há fortes indícios de que houve uma montagem na gravação, disse Molina à ISTOÉ, na sexta-feira 31.
Se ficar comprovado que a Polícia Federal produziu provas montadas visando atingir o presidente do Congresso, chefe do Poder Legislativo, o País estará diante de uma crise institucional. Recentemente, a mesma Polícia Federal, em conjunto com agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), foi acusada de promover gravações clandestinas no gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, chefe do Poder Judiciário. A PF, durante todo o governo Lula, praticou com grande tranquilidade o vazamento de informações, disse Mendes.
A gravação divulgada no inicio da última semana foi feita pelo Guardião, equipamento usado pela Polícia Federal para fazer as escutas. O aparelho começa a gravação no momento em que o telefone investigado é acionado e antes mesmo de a ligação ser completada. Dessa forma, a Polícia Federal tem obtido uma série de gravações ambientes, segundos antes de começar o diálogo telefônico. Foi nessas condições que teria sido captada a frase vou chegar à casa de Sarney já, já. A frase é gravada, há uma interrupção e em seguida Zuleido atende o telefone e começa um diálogo que não tem nenhuma relação com a frase, explica Molina. O laudo a que ISTOÉ teve acesso é composto por 10 páginas e cinco gráficos. Segundo o perito, a voz que diz a frase relativa ao senador José Sarney e a voz de quem se identifica como Zuleido na conversa telefônica não pertencem ao mesmo interlocutor. A partir do momento que começa o diálogo não há sinais de que a gravação tenha sido editada ou montada. Mas a frase dita antes pode ter sido enxertada a qualquer hora, explica Molina.
Outra observação feita pelo perito que, segundo ele, pode caracterizar um indício de que houve montagem é o fato de que frase foi dita em um ambiente que não aquele em que estava Zuleido no momento do telefonema. Isso, se for verdade que a frase tenha sido proferida segundos antes da conversa telefônica. No diálogo fica claro que é Zuleido quem atende a ligação, o que significa que alguém ligou para ele e não o contrário. Nesse caso, a frase dita antes de se iniciar o diálogo foi dita ou por um homem que estava próximo ao autor da ligação e não de Zuleido, afirma Molina. E com certeza não foi dita por quem conversou com Zuleido, pois as vozes são diferentes, concluiu o perito.
Na sexta-feira 31, ao tomar conhecimento do conteúdo da perícia, Zuleido desabafou: Armaram contra mim e o laudo confirma o que estou dizendo, disse o empreiteiro à ISTOÉ. Nunca estive na casa do presidente Sarney e é muito estranho que essas gravações, que oficialmente fazem parte de um processo que tramita sob segredo de Justiça, só surjam agora, depois de três anos, afirmou Zuleido.
A divulgação da suposta relação de Sarney com Zuleido também provocou reações entre os aliados do presidente do Senado que cobraram do ministro da Justiça, Tarso Genro, um maior controle sobre os vazamentos da PF. O ministro é o responsável pela Polícia Federal, mas se limitou a lavar as mãos. Não há mais segredo de Justiça no Brasil, admitiu o ministro, que em seguida transferiu a culpa aos defensores dos investigados pela PF. O advogado vai tomar informações nos inquéritos e, se ele achar bom para a defesa de seu cliente, vai divulgá-las amplamente. Tal declaração provocou a ira da Ordem dos Advogados do Brasil, instituição à qual o ministro pertence. O presidente da OAB, Cezar Britto, interpelou o ministro para que ele aponte nominalmente quais os advogados que estariam vazando grampos. Saber quem está por trás dos vazamentos talvez seja hoje menos importante do que descobrir quem teria montado um grampo contra o presidente do Congresso, José Sarney, embora isso não possa de maneira alguma minimizar a importância das investigações sobre sua conduta no trato com o dinheiro público. (A reportagem é de Mário Simas Filho e foi publicada na Revista Isto É)