"A crise do Judiciário na Bahia é histórica e não vejo alternativa senão encará-la como Questão de Estado", diz Fernando Santana
A sua história de vida está bastante atrelada à Ordem dos Advogados do Brasil. Qual a importância do advogado dedicar parte do seu tempo à entidade que o representa e o que isso contribuiu com a sua vida profissional?
Fernando Santana: A OAB é, sabida e reconhecidamente, a mais importante organização da sociedade civil brasileira e tem uma tradição de luta em defesa da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito e do respeito aos direitos e garantias individuais de qualquer cidadão, velando sobre o atuar das instituições que garantem a submissão de toda e qualquer forma de exercício de poder ao império da lei, para que se possa manter a harmonia social. Todo advogado, por compromisso, deve ser atraído a dedicar parte de seu tempo, de modo desinteressado, em favor de seu órgão de classe, não por carreirismo ou ostentação de títulos, como muitos pensam, mas vera prestação de serviço à classe e ao público. Serviço público, sim.
Atualmente, o senhor ocupa o cargo de secretário da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB. Na sua percepção, qual a importância de, sobretudo no atual momento da sociedade brasileira, a OAB atuar em defesa dos Direitos Humanos?
Fernando Santana: Ninguém desconhece que o Brasil está vivendo tempos temerários, de ameaças explícitas, e outras, veladas, em desprestígio de tantas conquistas que formaram nosso patrimônio civilizatório, após muito sangue e lágrimas derramados no curso da História, sobretudo para assegurar o respeito à igualdade entre todas as pessoas, com respeito às diferenças. No contexto de animosidade e ódio que se instalou na sociedade brasileira, haverá muitas pautas a exigir a atenção e atuação da nossa CNDH, no CFOAB, sem esquecer a importantíssima e sempre atual questão do sistema carcerário.
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À luz dos seus quase 50 anos de advocacia e militância na área criminal, como o senhor enxerga o Pacote de Medidas Anticorrupção?
Fernando Santana: Recentemente, num evento da OAB sobre o tema, tive oportunidade de dizer que este tal Pacote é uma enormidade de absurdos, sob qualquer dos aspetos que se examine. Como tal, o Projeto foi objeto de amplo estudo de Comissão de Notáveis instituída pelo CFOAB, que concluiu com um Relatório preciso e abrangente, tanto para recomendar o pouco que se pode salvar, mas depois do aprofundamento da discussão no Parlamento sobre tais pontos, que são apenas nove, quanto pela rejeição frontal de outros dez, medidas atentatórias aos princípios constitucionais, os que dizem respeito à execução antecipada de pena e das decisões do Júri, além das modificações de natureza material e processual, como no instituto da legitima defesa, nos regimes da prescrição e da execução e cumprimento de pena, no julgamento de embargos infringentes, na criação do chamado confisco alargado, dentre outros.
A advocacia vem sofrendo muito com as violações das prerrogativas. A classe, inclusive, está lutando para que essas violações sejam criminalizadas. Na sua opinião, ao longo das últimas décadas o respeito à advocacia melhorou ou piorou? Por quê?
Fernando Santana: O desrespeito às prerrogativas da advocacia é algo histórico e que só se muda com a transformação dessa ideia estúpida de pertencerem elas ao advogado, e não ao cidadão, de fato, como o real destinatário do sistema de garantias de seus direitos, em nome de quem o advogado atua e age com destemor. E o sistema de poder do Estado, sob várias formas de manifestação, não convive bem com o advogado, por seu necessário desassombro, pela exigência de altivez no exercício do direito de defesa. E os conflitos surgem. Não creio que deixarão de existir, mas a OAB deve estar sempre e cada vez mais vigilante, ao lado do advogado, amparando o cidadão por via da defesa dos que têm o múnus de sua representação judicial e extrajudicial, em todas as esferas E o advogado, a advogada não deve jamais silenciar, titubear no sentido de pedir imediata proteção e o socorro da OAB, por suas comissões e órgãos específicos, denunciando qualquer abuso de que seja vítima no exercício profissional, porque a agressão se dá à classe, como um todo, não singularmente ao advogado ofendido. A lei de criminalização das violações de prerrogativas será uma grande reforço nessa luta e o CFOAB sempre esteve empenhado nessa aprovação pelo Legislativo.
Sabemos que o Judiciário Baiano vive uma crise, que há uma escassez de juízes e servidores e que isso dificulta muito o dia a dia do advogado. Em meio a esse cenário, o que os profissionais devem buscar fazer para superar essas adversidades e manter o ânimo em advogar?
Fernando Santana: A crise do Poder Judiciário na Bahia é histórica e não vejo alternativa senão encará-la como uma Questão de Estado, envolvendo a responsabilidade dos Três Poderes. Um pacto nesse sentido. aliás, já foi proposto por nossa Seccional. Veja-se: quanto mais se luta pelo acesso à jurisdição e pelo amparo sobretudo às camadas mais desassistidas da população, a Bahia vai no caminho estranho de extinguir Comarcas, sempre com a oposição da OAB! E num Estado sem juízes bastantes, sem servidores necessários para o mínimo das necessidades atuais dos serviços forenses.
Além de advogado, o senhor também formou muitos outros colegas na condição de professor da UFBA. Qual a sua avaliação em relação ao momento atual da Educação Jurídica?
Fernando Santana: O ensino jurídico, no Brasil de hoje, salvo as conhecidas ilhas de excelência, que se impõem por si mesmas, é uma lástima, verdadeiro estelionato educacional, que tanto a OAB tem tentado obstar, com denúncias e atuação junto ao MEC, para impedir essa desenfreada criação de unidades de ensino desqualificadas e sem fiscalização. Confesso não ter qualquer orgulho quando me dizem: a OAB é grande por congregar mais de um milhão de advogados. Sustentei isso sempre quando tive assento no Conselho Federal! Não é a quantidade de inscritos, mesmo com a indispensável contenção do Exame de Ordem, mas a qualidade intelectual e de prática profissional que importam. Além das muitas exigências éticas, nem sempre observadas. É de lamentar que os pareceres da OAB sobre a criação de novos cursos não sejam vinculantes para a decisão da administração pública sobre eles.
Muito se discute em relação a mudanças no Código Penal. Quais pontos o senhor acredita que devem ser discutidos com maior urgência?
Fernando Santana: O Código Penal e o Código de Processo Penal precisam, sim, de uma grande revisão, sedimentada em sólidas e sistemáticas construções dogmáticas, mas tenho até medo de pensar, quanto mais de falar nisso na atual quadra da sociedade brasileira.
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