"A advocacia está sendo criminalizada faz tempo", diz Délio Lins
Confira a entrevista com o presidente da OAB-DF, Délio Lins, mais uma da série Entrevista da Semana
Nesses primeiros meses de gestão, qual seu balanço à frente da OAB-DF e quais expectativas para os próximos anos?
Délio Lins: Em seis meses, implementamos uma gestão paritária – metade do nosso conselho é ocupado por mulheres – e conseguimos diminuir custos de serviços que não considerávamos necessários. A economia chegou perto de R$ 1,5 milhão, sem redução de serviços.
Isso foi possível porque revisamos procedimentos administrativos e orçamentários, o que nos permitiu reduzir, de imediato, as anuidades para advogados e advogadas iniciantes, uma promessa de campanha. O valor caiu pela metade nos dois primeiros anos de inscrição, sem que esta perda de receita tenha influenciado negativamente nos serviços nem na arrecadação.
Hoje a OAB-DF tem a anuidade mais baixa de todas as seccionais para a advocacia jovem, uma medida totalmente justificável. Quase 40% das inscrições da nossa seccional são dos últimos cinco anos. Só nos primeiros seis meses de gestão, entregamos 1,6 mil novas carteiras. Precisamos olhar para estes novos advogados e advogadas com outro olhar. Eles estão tentando entrar no mercado de trabalho, precisam se firmar, precisam encontrar um nicho de atuação, precisam se qualificar. Daí porque criamos também neste período o programa Carreiras OAB-DF e estamos atuando para fortalecer a ESA-DF.
Além de diminuir a anuidade para a jovem advocacia, reduzimos pela metade o valor da anuidade a ser paga pelas advogadas mães no ano do parto ou da adoção; ampliamos serviços e benefícios; implementamos um programa de refinanciamento para que os inscritos inadimplentes tenham oportunidade de regularizar suas dívidas; criamos o Comitê Digital para modernizar nossos processos, que hoje são todos físicos; iniciamos o desenvolvimento de um portal da transparência; e retomamos o protagonismo nos debates da sociedade – exemplo disto foram os posicionamentos em defesa do passe livre, em prol da Justiça do Trabalho e contra a instalação do presídio federal em Brasília, apenas para citar alguns exemplos.
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Quais são, hoje, os principais desafios da advocacia em sua seccional?
Délio Lins: Modernizar. A OAB-DF é velha. A estrutura é velha e a forma como vinha atuando também. Apesar desta quantidade de advogados e advogadas jovens, ela estava parada no tempo, sem acompanhar as evoluções, especialmente as tecnológicas. Daí a preocupação em implementar projetos como a OAB Digital, como mencionei anteriormente. Hoje, os jovens, de uma maneira geral, resolvem tudo pelo celular. Então, estamos tentando criar serviços neste sentido, inclusive aplicativos para serviços.
Também temos trabalhado bastante em cima da ESA-DF para aprimorar os cursos, ampliá-los e descentralizá-los para as subseções. Estamos fazendo parceria com várias instituições, principalmente de ensino à distância, para que novos cursos sejam disponibilizados, tanto a preços menores quanto mais próximos dos advogados e advogadas. A grande massa da advocacia já não está mais no Plano Piloto, mas sim nas regiões administrativas do DF. Estamos trazendo, pela primeira vez, mestrado por meio dessas parcerias. O curso presencial sempre vai ter o local dele, mas o ensino à distância facilita, especialmente para quem não tem facilidade de deslocamento.
O senhor é defensor da votação direta para escolha dos representantes do quinto constitucional. Acredita que a medida ajudaria a fortalecer a democracia interna da Ordem?
Délio Lins: Sou favorável. Tanto que estamos com lista aberta para a vaga da advocacia no TJDFT. Optamos por uma votação mista. O Conselho Pleno fará um primeiro filtro reduzindo a lista de candidatos a 12. A ideia é selecionar os candidatos que sejam realmente preparados para que depois a classe possa votar de forma direta e escolher os seis primeiros dentre esta lista previamente selecionada.
Nas duas escolhas anteriores, o processo foi diferente. A lista completa de candidatos foi submetida à classe. Os 12 mais votados foram reduzidos a uma lista de seis pelo Conselho Pleno. Entendo que esta forma não respeita a escolha da advocacia, porque os mais votados pela classe não foram escolhidos pelo Pleno. Sem contar que este método dificulta, e muito, a fiscalização das candidaturas pela OAB-DF, especialmente em relação ao abuso de poder econômico.
O STF suspendeu decisão que obrigou a OAB a prestar contas ao TCU. O que achou da medida? Uma das bandeiras levantadas pelo senhor durante a campanha foi a criação de um Portal de Transparência na OAB-DF. Como anda a medida e qual a importância para a classe?
Délio Lins: Sou contrário à necessidade da OAB prestar contas ao TCU porque não recebemos recursos públicos. Por outro lado, temos obrigação com a advocacia de transparência, porque recebemos recursos de cada um dos inscritos. Então, todos os atos dentro da OAB têm de ser feitos de forma transparente. O portal de transparência que estamos criando vem neste sentido, além do programa de compliance, que também está em desenvolvimento.
Os princípios do contraditório e da ampla defesa ganharam destaque no atual contexto político brasileiro. Para o senhor, o Direito de Defesa está em risco no país?
Délio Lins: O que temos hoje é uma relação muito próxima dos membros do Ministério Público com a magistratura, que não é saudável. É uma relação muito próxima e, em algumas situações, até promíscua, porque anula o mais importante no processo: a necessidade de imparcialidade. Até a composição física da sala de audiência demonstra isso: o juiz fica no alto, ao lado do promotor, com quem conversa, troca mensagens, aponta. O advogado está lá embaixo. Quando o réu entra naquele cenário já se sente inferiorizado. Todos os advogados reclamam, principalmente os criminalistas.
Existe, hoje, uma discussão acerca da existência de uma perseguição aos advogados na tentativa de frear a profissão. O senhor acredita, de fato, que a advocacia está sofrendo processo de criminalização?
Délio Lins: A advocacia está sendo criminalizada faz tempo. A atuação dos advogados está cada dia mais fiscalizada de uma forma negativa. Os órgãos de controle, e aí especialmente o Ministério Publico, têm criminalizado os próprios pareceres que os advogados dão, como se estes profissionais não estivessem no exercício da profissão. Projetos de lei recentes, como por exemplo este que exige saber a origem dos recursos utilizados para o pagamento dos honorários, se é lícita ou ilícita, caminham neste sentido, o que é um absurdo. O advogado não é juiz, não é promotor, não é polícia para investigar seu cliente. Esquecem os autores destes projetos que existe na Constituição Federal o princípio da presunção de inocência. Então, até que a pessoa seja condenada, ela é inocente e não é o advogado dele que vai duvidar da licitude dos recursos usados para pagar sua defesa.
Sobre a defesa das prerrogativas da classe, o senhor propôs a criação da Advocacia-Geral da OAB. Qual a importância do órgão na reconstituição das garantias violadas?
Délio Lins: É muito importante que haja uma atuação preventiva da Ordem dos Advogados do Brasil junto aos órgãos e instituições, mostrando a importância da advocacia e das prerrogativas, que não são garantias do advogado, mas do cidadão. Atuando de uma forma organizada, a Advocacia Geral serve exatamente para criar um órgão profissional remunerado, que tome as iniciativas de prerrogativas junto aos órgãos de controle, tentando penalizar os ofensores das prerrogativas de uma forma profissional. Este é o grande diferencial de atuação.
Uma das principais medidas defendidas pelo governo federal é a flexibilização do porte de armas, assunto polêmico entre sociedade e juristas. Qual sua opinião sobre a medida?
Délio Lins: Minha opinião, Délio, pessoa física, é contrária. Não é armando a população que vamos resolver os problemas de segurança pública, de violência. Pelo contrário: quanto mais armas houver, mais crimes serão cometidos. Esta é a tendência, que as pessoas se sintam mais corajosas. Não existe país no mundo que tenha reduzido a criminalidade liberando as armas. Estamos aqui no Conselho discutindo este tema para que possamos ter a opinião da maioria da advocacia do Distrito Federal, mas o que tenho observado é que a classe está bem dividida, talvez até mais favorável à liberação.
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