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[Conferência: Palestrantes destacam lutas dirigidas pela OAB em prol da democracia]

Conferência: Palestrantes destacam lutas dirigidas pela OAB em prol da democracia

Painel reuniu Clarissa Vencato, Solange Aparecida da Silva, Inácio Krauss e Siqueira Castro

Na tarde desta quinta-feira (5), os advogados Clarissa Vencato, Solange Aparecida da Silva, Inácio Krauss e Siqueira Castro participaram de um painel para discutir O Papel da OAB na Garantia aos Direitos Fundamentais, em palestra mediada por Raimundo Moreira Reis Junior, presidente da subseção de Serrinha da OAB-BA.

A palestrante Solange Aparecida da Silva, vice-presidente da OAB de Rondônia, explicou que a instituição deve estar desatrelada ao poder público justamente para fiscalizá-lo, com toda autonomia e independência – e, assim, defender a lei, a justiça, os direitos humanos, a ética, a constituição brasileira e o nosso estado democrático de direito.

Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Siqueira Castro ressaltou que, após o Golpe de 64, o país reencontrou, com a Constituinte de 88, os caminhos para a reparação democrática, que enalteceu os direitos fundamentais, sempre amparados pela OAB – inclusive, na época, diversos advogados foram perseguidos por suas atuações em prol da justiça social.

Ele defendeu que, hoje, “é necessário fazer um grande investimento na educação política do povo brasileiro, que se encontra num momento de grande perturbação, em razão das falas do presidente da República, do seu autoritarismo, seu mau exemplo pedagógico, do seu atentado contra a igualdade da mulher, contra negros e pobres”.

O advogado Inácio Krauss, presidente da OAB de Sergipe, reforçou que a OAB luta por um estado de direito pleno e efetivo para todos. “A Ordem se diferencia das demais entidades de classe por ter o dever de defender a Constituição Federal. Se hoje podemos exercer e usufruir de direitos e garantias fundamentais estabelecidos no artigo 5º da Carta Magna de 88, a OAB teve papel de suma importância em sua construção e aprovação”, explicou, citando os direitos cassados na época da ditadura.

O palestrante reforçou, entretanto, que a desigualdade e o respeito às liberdades voltou a estar em cheque no país atualmente. Para ele, como a OAB luta para garantir que estes direitos permaneçam, o governo então tenta enfraquecer e calar as instituições democráticas. “Mas vale muito a pena lutar por uma sociedade mais justa”, pediu a todos.

Clarissa Vencato, vice-presidente da OAB de Roraima, reforçou que a Ordem vem sendo alvo de ataques justamente por participar ativamente da defesa do estado democrático e por toda a sua importância em momentos históricos do país. Ela explicou que ataques virtuais de milícias digitais, por exemplo, têm colocado o trabalho da instituição em cheque, na tentativa de diminuir a participação da Ordem em aspectos sociais, e finalizou com a seguinte questão: a quem interessa enfraquecer a OAB?

A advocacia na Era 4.0
Discussões sobre ética e tecnologia também fizeram parte da conferência na tarde desta quinta. Os advogados Antonio Adonias Bastos, Conselheiro Federal da OAB, Emília Roters Ribeiro e Guilherme Celestino participaram de um painel sobre os Caminhos Éticos da Advocacia Frente às Novas Tecnologias, trazendo em pauta as oportunidades proporcionadas pelo ambiente digital no contato com os mais diferentes públicos.

Para Antonio Adonias, não há como negar ou fechar os olhos para toda a evolução tecnológica da Era 4.0, então é importante saber usá-la em favor próprio, para que ela possa auxiliar o exercício da advocacia. Isso, entretanto, precisa ser feito de uma maneira ética, seguindo regras que visam regular a sociedade – e não apenas a advocacia.

"A ética regula a relação entre seres humanos, para que não tenhamos uma sociedade que engula os outros. É um valor que deve nortear nossas ações, e está sendo cada vez mais bem visto. Quando buscamos um serviço, buscamos uma empresa ou profissional éticos”, afirmou.

Desafios da advocacia em pauta
Há muitos desafios que os advogados devem enfrentar desde a sua formação, e alguns deles foram intensificados com a pandemia. Por conta disso, o tema Avanços, Perspectivas e Desafios da Advocacia também foi discutido na tarde de hoje, contando com a colaboração dos advogados Paulo Carneiro, Daniel Nogueira, Juliane Facó e Mônica Mattos, e mediação de Alex Ornelas, conselheiro da OAB/BA.

Para Mônica Mattos, presidente da Comissão de Práticas Colaborativas e Extrajudiciais da OAB de Feira de Santana, o advogado tem o poder de transformar a sociedade e, por isso, não pode se distanciar do disposto na constituição. Para conquistar espaços no mercado de trabalho, é necessário desenvolver habilidades novas, multidisciplinares, trabalhar a criatividade e formar grandes parcerias, sempre se atualizando e se capacitando.

O advogado Daniel Nogueira, conselheiro da OAB/BA, falou sobre a atuação profissional em tempos de pandemia, frisando que muitas mudanças foram provocadas pela internet. Aqueles que não eram tão habituados à tecnologia, por exemplo, precisaram se reinventar, na busca de ferramentas que minimizassem possíveis prejuízos e no desenvolvimento de estratégias para melhor atender o cliente.

Ocorre que o imediatismo vivenciado nas redes sociais pessoais também impactou o âmbito profissional. Daniel ressaltou que a utilização do WhatsApp e Instagram fez, por exemplo, com que o advogado ficasse à disposição 24 horas do cliente, o que pode ser prejudicial. Por isso, ele orientou que sejam estabelecidos limites de acesso entre as partes, para que não sejam cometidos excessos, mas sem tratar o cliente como estatística, e sim com propósito e compromisso. 

“Advogar na pandemia é ter, acima de tudo, responsabilidade social. É saber que nós somos aqueles que, muitas vezes, trarão conforto pra pessoas que dependem da nossa mão estendida e do nosso atuar sincero e leal”, afirmou.

Os advogados Juliane Facó, conselheira da OAB/BA, e Paulo Carneiro, presidente da subseção de Camaçari, também falaram sobre os desafios da advocacia trabalhista e criminal, respectivamente, após a pandemia, quando ocorreram mudanças constantes em medidas provisórias e no formato das audiências, além das inovações já citadas.

“No ano passado, a gente brincava na área trabalhista que a gente dormia e, quando acordava, tinha uma Medida Provisória nova. E a gente tinha que saber o conteúdo da lei, explicar ao nosso cliente e já saber a resposta perfeita pra aquela situação, sem nem ter tido tempo de ler o conteúdo da lei”, contou Juliane, que também criticou a falta de regramento em audiências virtuais, para que advogados e clientes não sejam prejudicados, caso fiquem sem internet repentinamente.

Na área criminal, um dos principais impactos está ligado justamente ao depoimento das testemunhas em audiências virtuais. Paulo explicou que é necessário implementar ações para assegurar a incomunicabilidade das mesmas, para que não sejam induzidas e orientadas por terceiros, garantindo o processo legal. O advogado ainda falou sobre as dificuldades que um criminalista enfrenta para poder patrocinar os interesses e a defesa de quem é acusado de algo, considerando o Código de Processo Penal vigente.

Estelionato Educacional
A Conferência trouxe ainda o painel Estelionato Educacional e os Desafios dos Novos Bacharéis em Direito, que reuniu o professor Iran Furtado e as conselheiras seccionais Cínzia Barreto e Luciana Silva.

De acordo com Iran Furtado, o problema da qualidade da educação ofertada em cursos não presenciais, inclusive na área de Direito, é consequência de um sistema educacional que se mostra falido. “O ensino do Direito é prejudicado por uma educação que deixou de formar pessoas no sentido de levá-las a alcançar uma consciência crítica”, afirma.

Para ele, a educação vem sofrendo com um processo de emburrecimento da população que deixa as pessoas suscetíveis de serem guiadas em suas escolhas, ações e reações por bolhas de redes sociais. “Acho que não são somente os cursos EAD que estão praticando o estelionato educacional, mas todos nós que estamos dentro do sistema educacional de uma certa maneira estamos praticando”, disse.  “Nesse processo, não há vítimas, há atores”, conclui.

Cínzia Barreto apresentou um panorama do ensino superior no Brasil. Ela conta que o país buscou sair de um modelo elitista que não permitia acesso ao conhecimento para a maioria da população. Mas a saída encontrada foi implementar uma política de acesso que fez abrir um nicho de negócio que não encontrou barreiras para crescer em número sem o acompanhamento da qualidade. “É a transformação do estudante em consumidor, em capital humano”, resume.

Para ela, o Estado é responsável direto pelo crescimento do estelionato educacional. “O fato é que a política de acesso não tira a responsabilidade do Estado em relação a qualidade da Educação”, afirma. Presidente da Comissão Educação Jurídica, ela explica que a Ordem vem lutando contra o estelionato educacional e tem conseguido “brecar um pouco o avanço dessa prática”.

Pandemia
Luciana Silva defende que existe uma ilusão quando se enxerga o papel do ensino à distância no período da pandemia. Para ela, isso camufla a exploração de muitos professores que apesar de estarem falando para uma quantidade maior de alunos através de vídeos, têm visto seus salários diminuírem e seus títulos desvalorizados.

A luta contra o estelionato educacional, segundo ela, é também a luta contra um sistema educacional que vem diminuindo o papel da educação na formação de seres humanos e vem focando exclusivamente em responder às demandas do mercado, o que vem se expandindo também no ensino do Direito. “As aulas são uma pequena parte do estudo do Direito. Conhecer a sociedade, o ser humano nela inserido e suas relações como parte desse estudo auxilia a entender a forma como o Direito está atuando na sociedade e o que precisa ser mudado nessa atuação”.

Narrativas Antirracistas em Movimento na Sociedade e no Direito
Em um outro painel, a Conferência debateu as Narrativas Antirracistas em Movimento na Sociedade e no Direito, com o doutor em Direito Misael França e promotora Lívia Sant’Anna.

Para Misael França, um espaço de poder como a advocacia é e sempre foi racista e como tal encontra uma maneira de “expressar de alguma forma que aqui não é o seu lugar”. Por isso, ele fala de um aquilombamento da advocacia baiana. “É apostar no trabalho da advocacia como componente da rede de combate previsto pelo Estatuto da Igualdade Racial e Combate a Intolerância Religiosa do Estado da Bahia”, explica.

A promotora Livia Sant`Anna traz a necessidade de não separar a questão da igualdade racial da igualdade de gênero. “Separando o que acontece é a prevalência do privilégio da mulher branca ou a reprodução da opressão racial”, disse. 

Ela relata que somente agora as mulheres estão chegando dentro de um sistema de Justiça ainda sexista, machista, elitizado e brancocêntrico.  Para ilustrar ela traz o que o CNJ divulgou como sendo o perfil do magistrado brasileiro: homens brancos, héteros e cristãos. Mulheres na magistratura são apenas 18% e mulheres negras apenas 6%. “Ou seja, é uma visão parcial da realidade de quem está dentro do Direito”, conclui. 

Foto: Angelino de Jesus/OAB-BA