"Não há cabimento submeter os animais à crueldade para interesses humanos. Isso é antiético", diz Marilena Galvão
Confira a entrevista com a presidente da Comissão Especial de Defesa dos Animais, Marilena Galvão, mais uma da série Entrevista da Semana.
A senhora preside a Comissão Especial de Defesa dos Animais, criada recentemente pela atual gestão da OAB da Bahia. Fale um pouco mais sobre a proposta e a importância da comissão para a advocacia.
Marilena Galvão: O Direto Animal está na pauta do mundo jurídico. Cada vez mais se avança no reconhecimento dos direitos dos animais, seja pelo imperativo ético, pelas mudanças na sociedade, pelas descobertas cientificas e pelas mudanças nas relações dos humanos para com os animais não humanos.
A CEDA BA tem como objetivo geral assegurar os direitos dos animais no âmbito do estado da Bahia, posicionando-se, na perspectiva da garantia da integridade física e psíquica dos animais, no cumprimento da legislação de proteção animal pátria vigente, no fomento à elaboração de novas leis de direito animal, promovendo a disseminação das informações pertinentes à matéria e contribuindo para a consolidação da dogmática jurídica do direito animal no Brasil.
Sob o holofote da imprensa mundial, os direitos dos animais ganharam destaque e adesão de grande parte da população nos últimos anos. Como descreveria estes direitos e qual a importância da Declaração Universal dos Animais neste contexto?
Marilena Galvão: De fato os direitos dos animais vêm sendo reconhecidos de forma crescente. Não há mais como negar a senciência e a consciência animal, e isso nos conduz à premissa de que são também dignos de consideração ética.
Diversos princípios antes atinentes apenas aos humanos hoje estão sendo estendidos aos animais não humanos, e isso se evidencia também nas diversas decisões judiciais.
A Declaração Universal dos Animais foi um importante passo para a expansão no que tange aos direitos dos animais, sendo uma base para a elaboração e avanço do Direito positivado referente aos animais no Brasil.
Entretanto o Brasil ainda está bastante atrasado em relação ao Direito Animal em outros países como Suíça, Alemanha, Áustria, França, Portugal, Espanha, Nova Zelândia, onde o ordenamento jurídico já dispensa aos animais o reconhecimento como sujeitos de direitos, haja vista a inegável série de descobertas científicas ao longo dos últimos anos, que não mais permitem o tratamento que vem sendo disposto aos animais não humanos.
Trabalha-se com o direito básico às 5 liberdades:
1. Estar livre de fome e sede
Os animais devem ter acesso à água e alimento adequados para manter sua saúde e vigor.
2. Estar livre de desconforto
O ambiente em que eles vivem deve ser adequado a todas as espécies, com condições de abrigo e descanso adequados.
3. Estar livre de doença e injúria
Os responsáveis pela criação devem garantir prevenção, rápido diagnóstico e tratamento adequado aos animais.
4. Ter liberdade para expressar os comportamentos naturais da espécie
Os animais devem ter a liberdade para se comportar naturalmente, o que exige espaço suficiente, instalações adequadas e a companhia da sua própria espécie.
5. Estar livre de medo e de estresse
Não é só o sofrimento físico que precisa ser evitado. Os animais também não devem ser submetidos a condições que os levem ao sofrimento mental, para que não fiquem assustados ou estressados, por exemplo.
Ressaltam-se os direitos dos animais em condomínios, bem como os direitos dos animais comunitários.
O Brasil já conta com o Direito Positivado na matéria por meio:
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º - QUE TRATA DO DIREITO DE PROPRIEDADE;
CÓDIGO CIVIL – ARTIGOS 1.331 A 1.358, QUE DISCIPLINAM AS RELAÇÕES EM CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS;
CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 186 – QUE DISPÕE SOBRE O ATO ILÍCITO QUANTO A AÇÃO OU OMISSÃO QUE VIOLAR DIREITO E CAUSAR DANO A OUTREM;
LEI 4.591 DE 16/12/1964, ART. 19 - LEI DOS CONDOMÍNIOS – QUE DISCIPLINA SOBRE O USO E FRUIÇÃO COM EXCLUSIVIDADE DA UNIDADE AUTÔNOMA POR SEU PROPRIETÁRIO;
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART.225, §1º, VII – QUE TRATA DA PROTEÇÃO AOS ANIMAIS
LEI 9.605/98 (LEI DE CRIMES AMBIENTAIS), ART. 32 – QUE TRATA SOBRE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS
DECRETO FEDERAL Nº 24.645/34, ART. 3, I, QUE TRATA SOBRE A PRÁTICA DE ATO DE ABUSO OU CRUELDADE CONTRA ANIMAIS.
Aqui, na Bahia, temos também leis de proteção animal, a exemplo da LEI 1618/16, Lei Municipal de Proteção Animal de Lauro de Freitas, conhecida como Lei REMCA, que tem sido referência para ser replicada em diversos municípios da Bahia, bem como em outros Estados do Brasil.
No Brasil, especialmente, os índices de maus-tratos a animais permanecem altos, com ocorrências nas principais capitais do país. Quais são as punições previstas pela legislação brasileira e como anda sua aplicabilidade?
Marilena Galvão: Atualmente trabalhamos com a Lei 9.605/98, Leis de Crimes Ambientais, que dispõe:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus tratos, abandonar, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção de três meses a um ano e multa.
Infelizmente a punição ainda é muito leve, necessitando haver maior severidade no que tange à punição por prática de maus-tratos.
Um dos assuntos mais comentados na atualidade, o desmatamento da Amazônia interfere diretamente na vida de milhares de espécies animais. Como enxerga o posicionamento do Governo em relação ao tema e o que é preciso fazer para conter os danos?
Marilena Galvão: A floresta cumpre seu papel fundamental para o equilíbrio ecológico para todos.
O desmatamento prejudica a saúde humana, o desenvolvimento da economia, da sociedade, a imagem do Brasil no exterior e leva a alterações significativas no funcionamento dos ecossistemas, gerando impactos sobre a estrutura e a fertilidade dos solos e sobre o ciclo hidrológico, constituindo importante fonte de gases do efeito estufa, e, principalmente, mata ou arruína o habitat natural de uma série de animais não humanos. Dentre os mais prejudicados, estão os animais não humanos, seres inocentes a quem temos o dever de defender. A floresta é seu lar. O impacto dos incêndios é irreversível, seja de forma imediata ou em longo prazo. Muitos animais morreram seja pelas chamas, pelo calor do fogo ou por inalação de fumaça. Um dano ambiental inacreditável.
Entre as principais causas do desmatamento da Amazônia, podem-se destacar a impunidade a crimes ambientais, retrocessos em políticas ambientais, atividade pecuária, estímulo à grilagem de terras públicas e a retomada de grandes obras. Foram 55 milhões de hectares derrubados entre 1990 e 2010, mais do que o dobro da Indonésia, o segundo colocado.
É necessário implementar no país leis mais severas contra crimes ambientais, e que o governo dê ao meio ambiente o tratamento que lhe é devido. Negar a importância do meio ambiente para o Brasil e para o mundo é atitude que pode conduzir a situações drásticas, irreversíveis e prejudiciais ao mundo.
Além dos reflexos ambientais, a questão animal, sobretudo o abandono, reflete na esfera social também. Qual sua interferência na saúde pública, por exemplo?
Marilena Galvão: A questão animal está relacionada a diversos aspectos sociais, filosóficos, antropológicos, psicológicos, jurídicos e também à saúde.
A existência dos animais se justifica por si só. São merecedores de igual consideração ética.
Entretanto a relação dos animais humanos com os animais não humanos, de fato leva a diversas questões, como a saúde publica. A oferta de serviços de saúde devem ser estendidos aos animais para que permaneçam saudáveis, evitando danos aos mesmos, bem como proliferação de zoonoses.
Alem disso, devem-se observar os aspectos psicológicos dos humanos na relação com os animais não humanos. Nesse sentido, ressalta-se a "teoria do link", que aponta os maus-tratos contra os animais como um dos comportamentos “alerta”, adultos que praticam atos de maus tratos aos animais podem apresentar traços mais elevados de violência e insensibilidade, podendo vir a praticar atos violentos em seu ambiente familiar contra pessoas. Portanto deve-se ter um olhar mais atento a tais relações.
Neste contexto, como os governos poderiam desenvolver ações mais efetivas? Considera a castração social uma alternativa válida?
Marilena Galvão: A castração é um dos pilares da proteção animal. Assim evita-se a proliferação de mais animais abandonados nas ruas, bem como protege-se a saúde dos animais.
O governo deve elaborar e implementar política publica de proteção animal, incluindo um trabalho socioeducativo nas escolas e nos bairros, controle populacional por meio de programa de castração, investir em vermifugação, vacinação dos animais domiciliados e em situação de rua.
Como a Bahia tem se posicionado na defesa dos animais?
Marilena Galvão: Infelizmente, o governo da Bahia não tem disponibilizado aos animais o tratamento adequado. Não há política pública estadual de proteção animal. Além disso, vem permitindo práticas em desconformidade com a defesa dos direitos dos animais, como por exemplo admitindo o abate de jumentos, inserindo-os no rol de animais de abate para o interesse humano, prática que foi proibida recentemente por meio de liminar.
Outro assunto polêmico são as experimentações científicas em animais. O que fazer para conciliar a legislação à indústria farmacêutica, por exemplo?
Marilena Galvão: A ciência já pode contar hoje com métodos alternativos de modo a extinguir a utilização de animais em experimentação, o que torna a experimentação mais ética e menos dispendiosa. A população está mais consciente e seletiva por produtos que não tenham sido testados em animais. A sociedade não mais tolera práticas de crueldade contra os animais, e as empresas que não se adequarem a esse novo paradigma restarão fora do mercado.
É necessário exigir que as empresas busquem os métodos alternativos nas experiências científicas.
Não há cabimento submeter os animais à crueldade para interesses humanos. Isso é antiético.
Aproveitamos a oportunidade para fazer um convite:
A CEDA realizará o Evento “Palestra de Direito Animal”, que ocorrerá no mês de setembro, quando serão apresentados o que é a comissão, seus objetivos e ações propostas para o ano de 2019.