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Deu no O Globo: História reescrita

Brasília - Confira matéria publicada em O Globo, sobre a proposta da OAB Nacional de instituir uma Comissão da Verdade da Escravidão Negra, nos moldes da que hoje apura os crimes da ditadura, aprovada na XII Conferência Nacional dos Advogados com a participação e o voto do presidente da OAB da Bahia, Luiz Viana Queiroz.

É mal contada a história do povo negro no Brasil. Décadas a fio, africanos e descendentes, tanto nos livros quanto no imaginário popular, foram escravos também de narrativas que os associavam à ignorância, à passividade e à submissão resignada aos senhores do período colonial. Revoltas, insurreições e até a resistência quilombola, por longo tempo, estiveram longe dos registros formais. Um tanto desse passivo tem chance de diminuir no curto prazo. Amanhã, em Brasília, o conselho da OAB Nacional vota a criação da Comissão da Verdade da Escravidão Negra, inspirada no colegiado que, desde 2012, investiga crimes cometidos pela ditadura militar.

Se aprovada, a iniciativa vai descortinar outro período igualmente sombrio e camuflado pela dificuldade do Brasil em relatar com honestidade seus caminhos. Anistiadas, partes essenciais da história foram deixadas pelo caminho, em nome da velha cordialidade nacional. Foi o que Abdias Nascimento, maior líder negro do país na segunda metade do século XX, ousou chamar de mentira cívica. O ex-senador, que neste 2014 completaria cem anos, morreu sem testemunhar a reconstituição que ora se avizinha. Em discurso histórico ao receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, ainda no ano 2000, Abdias exortava a comunidade acadêmica a se libertar do que batizou de cativeiro eurocentrista.

Quatorze anos depois, a semente da Comissão da Verdade da Escravidão germinou durante a última Conferência Nacional dos Advogados, mês passado, no Rio. Presidente da OAB Nacional, Marcos Vinicius Furtado é defensor entusiasmado da proposta. “O inventário da escravidão será mais um ajuste de contas do país com sua História, resume. Na sequência, virão os indígenas, avisa. Uma vez implementada a comissão da Ordem, a intenção é apresentar o projeto ao governo federal. A investigação sobre o regime escravocrata sucederia, já em 2015, a Comissão Nacional da Verdade (da ditadura), que chega ao fim este ano.

Os trabalhos vão se ancorar em três pilares, segundo Furtado. O primeiro é o resgate histórico; o segundo, a aferição de responsabilidade. O último será a demonstração da importância das ações afirmativas como meio de compensação de danos à população negra. A OAB atuou na defesa jurídica da política de cotas no acesso à universidade, considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por dez votos a zero, em 2012, e vigente em quase 60 instituições públicas de ensino superior.

Humberto Adami, presidente do Instituto da Advocacia Racial e Ambiental, defende a reparação financeira dos crimes da escravidão, tal como nas indenizações às vítimas da ditadura. De 2001 ao ano passado, a Comissão de Anistia aprovou 40.300 pedidos, no valor total de R$ 3,4 bilhões. No caso dos negros, a compensação se daria, por exemplo, pela criação de fundos para financiar projetos de história, cultura e inclusão social em cidades marcadas pelo escravismo.

Fica aqui a sugestão para que, se instituído, o futuro fundo de reparação tenha um quinhão dedicado à preservação das religiões de matriz africana, que padecem, Brasil afora, sob a chaga da intolerância. Candomblé e umbanda são herança da presença da África na formação nacional. E, até hoje, símbolos de resistência. Fonte: O Globo