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Cezar Britto aponta falhas na relação entre Poderes que marcaram 2008

Belo Horizonte (MG), 05/01/2009 - O ano que passou foi marcado por polêmicas envolvendo determinações que mudaram entendimentos jurídicos que há anos levavam o Poder Judiciário a decisões controversas. A proibição do nepotismo, por exemplo, só veio a ter esse entendimento depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, por meio de uma súmula vinculante, que a prática é condenável pelos princípios da moralidade e impessoalidade administrativas que constam da Constituição Federal. Além desse entendimento, o STF determinou ainda que algemas não poderiam ser colocadas em suspeitos, exceto se eles apresentassem risco à sociedade ou ao policial. As medidas causaram polêmica entre órgãos ligados ao Poder Judiciário e também com o Poder Legislativo. Uma das autoridades que apresentaram sua posição sobre o assunto foi o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto.

Algumas decisões do Supremo foram referendadas por ele, como, por exemplo, a súmula sobre o uso das algemas. Segundo Britto, o STF acertou ao instituir a súmula sobre esse assunto. "A ação do STF impede casos em que se percebeu que o uso das algemas estava virando notícia. Quase ninguém passou a falar dos crimes e, sim, se poderia ou não prender", alegou, afirmando ainda que estava começando a ocorrer uma espetacularização das operações policiais.

Sobre o nepotismo, o presidente da OAB disse que o STF demorou a se posicionar. Britto ainda explicou que "o nepotismo já estava vetado pela Constituição", mas não era visto assim pela sociedade. "É mais fácil mudar a lei do que a cabeça do homem. Precisou o STF dizer que a impessoalidade e a moralidade impedem que se contrate parentes", disse.

Outro assunto que esteve estampado na imprensa foram os grampos telefônicos que teriam atingido até o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Depois da descoberta de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria grampeado o telefone do ministro, foi desencadeado um processo de investigação para verificar se as escutas estavam sendo feitas de forma indiscriminada a partir de irregularidades nas autorizações dessa prática. Para obter dados mais concretos sobre o assunto, o presidente da OAB enviou um ofício ao Supremo, na última semana, solicitando a adoção de medidas para regular o número de interceptações telefônicas feitas no país.

A medida foi tomada depois que se detectou uma discrepância entre dados informados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e empresas de telefonia. De acordo com o CNJ, existem 11.486 interceptações telefônicas no Brasil atualmente. O número é bem menor que o apresentado pelas companhias telefônicas que disseram haver 225 mil escutas em andamento. "No início do ano, a CPI dos Grampos falou em 400 mil escutas. Isso motivou o CNJ a criar um cadastro nacional que busca saber o número exato de grampos. A criação do cadastro foi considerada uma solução para a falta de controle que existe", afirmou, em entrevista a O Tempo, Cezar Britto.

A seguir, a íntegra da entrevista do presidente nacional da OAB, concedida à repórter Flórence Couto, do jornal O Tempo (MG):

P- Faz 20 anos que aconteceu o caso "Bateau Mouche" e até hoje ninguém foi preso. O que impede que, no Brasil, casos como esse não tenham uma solução em pouco tempo?
R - Eu defendo que o Poder Judiciário deveria priorizar aqueles processos que, pela repercussão, o não-julgamento gera a perda da credibilidade. Se o Judiciário perde a credibilidade pode gerar dois sentimentos negativos. Ou estimula o cidadão, deixando-o à mercê dos poderosos, ou estimula a vingança privada que é o fazer justiça com as próprias mãos.

 P - Como o senhor analisa a discrepância de dados em torno das escutas telefônicas no país?
R - No início do ano, os parlamentares da CPI falaram em 400 mil grampos. Isso motivou o CNJ a criar um cadastro para saber o número de grampos. O grampo quebra princípios constitucionais como o sigilo das comunicações. A criação desse cadastro foi tido como uma solução para a falta de controle.

P - E como funciona?
R - Os juízes passam a informar quantos grampos foram autorizados. Além disso, passam a discriminar a pessoa que tem acesso aos grampos. No caso de vazamento é possível identificar os acusados.

P - O presidente da CPI dos Grampos, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), acredita que há irregularidades nas autorizações de grampos. É necessário criar regras mais rígidas?
R - Tem que ter uma legislação mais clara, mas não pode se transformar em uma propulsora do crime. Afinal, o descontrole permite grampos que podem ser usados em chantagem política. Esse é o desafio nosso.

P - E há projetos na Câmara que determinam essa mudança?
R - Há sim. A OAB inclusive já mandou parecer sobre um projeto que está no Congresso que define isso. Lá, defendemos que o grampo só pode ser sigiloso enquanto a investigação está em curso. Além disso achamos que o grampo deve ser feito por 60 dias e prorrogável dependendo da necessidade.

P - Depois de retornarem do recesso, em fevereiro, os ministros do STF devem analisar uma ação do senhor, contestando a Lei da Anistia. Que mudanças o senhor defende?
R - Não precisa mudar nada na Lei da Anistia. Isso porque a principal função dela continua sendo cumprida. O que tem que ser feito é julgar o crime de tortura, que não é considerado crime político. A tortura sequer é permitida, já que é um crime contra a humanidade. O Ministério Público já entrou com ações penais pedindo condenação de quem praticou a tortura.

P - Sobre a proibição ao uso de algemas, como saber quando um criminoso vai ou não oferecer riscos?
R - O STF agiu corretamente dizendo que não pode ser aplicada como forma de antecipar a pena. Algemar agora ficará a juízo de quem vai fazer a prisão. A ação do STF impede casos que ocorreram e que se percebeu que o uso das algemas estavam virando notícia. A notícia secundária passou a ser principal.

P - Há necessidade de alterações no Código Penal?
R - O problema do Brasil não é a ausência de leis rígidas. A questão é a falta de seriedade do Judiciário e do Executivo quando procura cumprir seus papéis. Atualmente, 300 mil mandados não são cumpridos. A polícia alega que não tem estrutura. É isso e a falta de vontade.

P - Em relação ao nepotismo, foi uma decisão tardia do STF?
R - É mais fácil mudar a lei do que a cabeça do homem. A lei inventou o nepotismo. É assim que está expresso no artigo 37. Precisou o STF dizer que a impessoalidade e moralidade impedem que se contrate parente. Demorou a modificar a lei.

P - Muitos deputados e senadores reclamaram que o Judiciário toma para si o poder de criar leis. Isso realmente acontece?
R - O Poder Legislativo devia legislar mais e não se tornar um apêndice do Executivo. Uma pesquisa mostra que 80% do que é feito no Legislativo é de projetos do Executivo ou medidas provisórias. O Legislativo, que tem papel de ser o ombudsman do povo brasilerio, deveria trabalhar mais para legislar e fiscalizar o governo.

P - O senhor acha que o TSE e os TREs atuaram bem neste ano eleitoral?
R - A OAB combateu a corrupção com várias identidades. Como resultado, tivemos uma eleição limpa e tranqüila. A Justiça Eleitoral ainda tem um caráter transitório. Com isso, alguns casos demoram anos para serem resolvidos e alguns mandatos são concluídos sem que a lisura seja julgada.