Abertura da Conferência da Advocacia Negra da OAB-BA é marcada por debates e depoimentos sobre relações raciais no direito
Participantes discutiram suas experiências a partir dos temas das palestras
O primeiro dia da Conferência da Advocacia Negra e da Igualdade Racial da OAB da Bahia, que acontece nestas quinta (16) e sexta-feira (17), foi marcado por presenças de grandes nomes da advocacia e causa negra e por depoimentos fortes sobre o que significado de construir uma carreira no direito sendo um profissional negro. O congresso é o primeiro grande evento totalmente dedicado e voltado para a advocacia negra da seccional e faz parte da programação do Novembro Negro 2023 da OAB-BA.
Compuseram a mesa alta todos os membros da diretoria da OAB da Bahia, o vice-governador da Bahia, Geraldo Júnior, representando o governador, Jerônimo Rodrigues; a secretária de promoção da igualdade racial da Bahia, ngela Guimarães; a corregedora Aline Solano; a secretária municipal de políticas para mulheres, Fernanda Lordelo; o presidente do TRT5, desembargador Jéferson Muricy; a ouvidora adjunta da DPE-BA, Rutian Pataxó; o diretor da Faculdade de Direito da UFBA, Júlio Rocha; a mãe da ex-vereadora Marielle Franco, Marinete da Silva; a conselheira seccional da OAB-SE, Ana Emanuele Zuzart; a secretária-geral adjunta da OAB-SE, Clara Ferreira e o presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SE, Carlos Zuzart.
A presidenta da OAB-BA, Daniela Borges, fez uma breve declaração de abertura antes de passar a presidência da mesa e da seccional para a secretária-geral Esmeralda Oliveira, que conduz os trabalhos durante os dois dias da conferência. “É importante que esse seja um espaço de construção e de diálogo para que nós possamos avançar. A igualdade só é igualdade se for para todos e ainda temos muitos desafios a enfrentar”, afirmou.
Ao assumir a liderança dos trabalhos, Esmeralda Oliveira falou sobre a relevância da advocacia negra da seccional. “A advocacia negra da Bahia é motivo de orgulho e protagonismo dentro do sistema OAB, pois trilha unida, fortalecida e consciente de seu papel no exercício da advocacia, evocando, de forma incansável, as discussões de gênero e raça como forma de mobilização. Essa conferência é uma grande vitória para a advocacia negra”, discursou Esmeralda, bastante emocionada com o momento. A presidente interina recebeu ainda uma homenagem da seccional pela sua trajetória combativa e militância na advocacia.
O evento foi iniciado com duas apresentações artísticas. O grupo Clarins da Bahia foi o primeiro a se apresentar e a banda feminina Yayá Muxima executou os hinos nacional e da independência da Bahia e encerrou o momento cultural com a música “Sorriso Negro”, imortalizada na voz de Dona Ivone Lara.
Antes da palestra de abertura, integrantes da advocacia negra da OAB da Bahia, responsáveis pela concepção e organização da conferência, fizeram suas falas. O presidente da Comissão da Advocacia Negra da OAB-BA, Jonata Wiliam Silva, destacou a necessidade de discutir as relações raciais dentro do direito. “A razão universal e a advocacia como um todo indivisível não irá atender aos nossos anseios e nem ao juramento que fazemos quando recebemos a carteira da OAB, que diz que vamos respeitar a justiça social e defender o Estado democrático de direito. Precisamos compreender a existência da pluralidade e da diversidade e essa conferência é um ode a pluralização da advocacia”, concluiu Silva.
“A igualdade racial precisa estar no centro do debate. Não tem como falar em democracia e Estado de democrático de direito sem falar de relações étinico raciais. Falar do direito do futuro é falar sobre cotas raciais, sobre políticas afirmativas de acesso à educação e de ocupações de espaço de poder. É reconhecer o quanto a sociedade se beneficia dos privilégios que o racismo ainda perpetua”, discursou a presidenta da Comissão de Igualdade Racial da OAB-BA, Camila Carneiro.
A presidenta da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA, Maíra Vida, fez uma homenagem a vários membros da advocacia negra e a outras pessoas que ela considerou aliadas na luta antirracista. “A primeira conferência estadual da advocacia negra é isso que nós construímos a muitas mãos. É o resultado neste tempo e espaço que remonta a uma luta muito antiga. Eu não quero ‘Maíra Vida presente’, não quero flores, eu quero reconhecimento e respeito em vida” reafirmou.
A vice-presidenta da CAAB, Cléia Costa, fez uma defesa de diversidade no Judiciário. “Eu acredito em todas as mulheres aqui presentes para serem as nossas representantes no STF. Eu vou aplaudir e ser firme nessa luta com todas vocês, porque há um momento em que a gente passa o bastão para a geração seguinte e nós aprendemos isso com a ancestralidade”, disse.
“Não há Justiça com violência institucional contra a advocacia negra. Não há. Durante muito tempo eu senti que estava no lugar errado. Até mesmo na nossa OAB. Durante muitos anos eu me sentia constrangida de entrar na nossa OAB. E que bom que essa realidade vem mudando com o nosso trabalho. A minha história não é só minha, é da maioria dos advogados que estão aqui. Sueli Carneiro já pontuou: o racismo é cruel”, concluiu a coordenadora de diversidade da OAB-BA, Renata Deiró, ao dar um depoimento pessoal sobre uma discriminação racial que sofreu no exercício da profissão.
Após as falas dos representantes da advocacia negra da seccional, o diretor da Faculdade de Direito da UFBA, Júlio Rocha, fez a palestra de abertura do encontro. Rocha usou como fio condutor da sua explanação a carta de Esperança Garcia, uma advogada negra, que durante o período em que foi escravizada escreveu ao governador da capitania do Piauí, denunciando os maus tratos sofridos por ela e seus filhos.
“A carta de Esperança Garcia, de 1770, nos leva a uma reflexão sobre processos históricos do racismo e de como ele opera na sociedade e através do estado colonial que chega hoje até nós”, afirmou o diretor.
Segundo turno
No turno da tarde a conferência contou com três painéis. A primeira mesa teve como tema “Constitucionalismo, Relações de Trabalho, e o Papel da Advocacia Negra” e foi formada pelo presidente do IAB, Antônio Menezes; pelo advogado Samuel Vida, pela presidenta da subseção de Irecê, Leonellea Pereira e pela ex-presidenta da ESA, Cínzia Barreto.
“O período do reinado é o período da pré-história do direito do trabalho. Não havia direito do trabalho no Brasil. Os escravizados não tinham direito a nada e não havia legislação que regulamentasse o trabalho livre”, contou Antônio Menezes em sua palestra.
O segundo painel foi integrado pelo professor e advogado Sérgio São Bernardo; pela conselheira federal Sílvia Cerqueira; pela advogada Germana Pinheiro e pela vice-presidenta da CAAB, Cléia Costa. O tema da mesa foi “Cultura e Educação Jurídicas no Contexto da Teoria Crítica Racial”.
“Esse evento é importante, não deve parar. A gente registra a sensibilidade, mas a gente não tem que agradecer porque esse é o nosso lugar. Ninguém está fazendo favor algum”, finalizou, em sua fala, Sílvia Cerqueira.
Já o terceiro e último painel debateu “Prerrogativas e Ética da Advocacia na Encruzilhada Interseccional de Raça e Gênero". Participaram da discussão o conselheiro seccional Carlos Sampaio; a secretária-geral da Comissão de Direitos e Prerrogativas da OAB-BA, Paloma Peruna; a advogada Marcela do Vale e a presidenta da Comissão da Promoção de Igualdade Racial da subseção de Ilhéus, Marta Lisboa.
Carlos Sampaio falou sobre o quanto as prerrogativas da advocacia são importantes, inclusive, para combater a discriminação de raça e de gênero. “A gente não pode sair para advogar sem o domínio das nossas prerrogativas”, salientou.