Crimes online: os perigos do mau uso das redes sociais e da disseminação de informações falsas na internet
Os boatos e as famosas fofocas são antigos e existem nos mais diversos lugares do mundo. Com o aumento da utilização de mídias sociais e aplicativos de celular, essas práticas tornaram-se ainda mais comuns e perigosas. Hoje em dia é difícil alguém não ter recebido ou compartilhado uma informação falsa. Para evitar a desinformação, existe até site especializado em desmentir histórias que são contadas online. É o caso do Boatos.org, por exemplo.
Antes conhecidas como hoaxes, as informações falsas disseminadas na internet agora são chamadas de pós-verdades. Cada vez mais pessoas ou instituições estão sendo vítimas desse tipo de prática, que muitas vezes chega a ser criminosa.
Recentemente um boato tomou conta das conversas nos principais grupos de WhatsApp de Itapetinga, envolvendo de forma equivocada nomes de pessoas idôneas da sociedade local, que inevitavelmente se sentiram prejudicadas e registraram boletins de ocorrência denunciando o crime de difamação e exigindo providências.
As consequências dos boatos podem ser desastrosas para a vida das pessoas. Em 5 de maio de 2014, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus morreu espancada, aos 33 anos, acusada de praticar magia negra com crianças após uma notícia falsa espalhada pelas redes sociais. O caso ocorreu em Guarujá (SP) e chocou o Brasil.
Nesta entrevista, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Itapetinga, Fabrício Moreira, esclarece os riscos do mau uso das redes sociais a partir do compartilhamento de notícias falsas ou boatos sobre a vida privada.
Tanto quem cria o boato como quem ajuda a espalhá-lo pode ser punido? Quais as principais responsabilidades de cada um?
Todo cidadão tem o direito constitucional de se expressar livremente. Atualmente a eletrônica, mais precisamente através das redes sociais, facilita sensivelmente a disseminação de notícias. O problema surge quando o cidadão, sem observar a veracidade da informação que lhe é apresentada, divulga a notícia, sujeitando-se à responsabilidade decorrente do ato.
Precisamos lembrar a máxima: “meu direito termina quando começa o do outro”. A consequência desta publicação, seja ela falsa ou ofensiva, pode atingir terceiros. E, neste caso, surge o crime contra a honra, que pode ser divido em calúnia, difamação e injúria – arts 138 a 140 do Código Penal; ou mesmo causar prejuízos financeiros, tratados na esfera cível. Também pode ser apenado aquele que comunica falsamente a existência de crime ou contravenção (art. 340 do Código Penal). Desta forma, há responsabilidade civil e criminal para quem divulga ou compartilha informação falsa ou ofensiva.
Quais as principais diferenças entre os chamados crimes de honra: calúnia, difamação e injúria?
São crimes praticados contra a honra objetiva e subjetiva de alguém. A primeira é o juízo de valor que as pessoas apresentam sobre a imagem de alguém; enquanto que a segunda é o conceito que esta pessoa tem de si mesma.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) definiu recentemente os crimes de calúnia, difamação e injúria de forma bastante didática: calúnia é a imputação falsa de um fato criminoso a alguém – art. 138: pena de seis meses a dois anos e multa. Quem divulga a informação falsa também comete a calúnia; difamação é a imputação de ato ofensivo à reputação de alguém – art. 139: de três meses a um ano e multa; e injúria é a prática de qualquer ofensa à dignidade de alguém – art. 140: de um a seis meses ou multa.
Exemplos clássicos ajudam a diferenciar essas figuras típicas e facilitam a identificação de cada um:
Caluniar é dizer história falsa na qual a vítima teria cometido um crime. José fala para Joaquim, ou divulga em redes sociais, que ele furtou (praticou crime descrito no art. 155 do CP) o computador de Maria. Obs.: se a afirmação limita a informar que Joaquim é ladrão, o crime seria de injúria e não de calúnia. Por outro lado, se o fato realmente ocorreu, não há crime;
Difamar é atribuir um fato que ofenda a reputação de alguém. Será indiferente se a acusação for verdadeira ou falsa. Este crime alcança a honra objetiva (reputação) e não a honra subjetiva (autoestima, sentimento que cada tem de si). É algo diferente de um xingamento, pois este seria, também, injúria: Maria conta que Joana deixou de pagar suas dívidas e é caloteira;
Injuriar é, essencialmente, falar mal. Imputar a outrem uma qualidade negativa, também não importando a veracidade da informação. A injúria atinge a honra subjetiva da vítima: Mário chama Pedro de “ladrão” ou “imbecil”. Pode ser agravada a pena se o crime é cometido com violência (ex.: tapa no rosto) ou se utilizado com elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Com a revolução da internet e o assombroso alcance das redes sociais, é possível dizer que as pessoas não estão respeitando o direito à privacidade e abusando da liberdade de expressão?
Da mesma forma que a liberdade de expressão tem lugar no texto constitucional, assim também “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas” (art. 5º, X da CF).
Entendo que, atualmente, as pessoas perderam o respeito para com o outro e, constantemente, ultrapassam as fronteiras da legalidade. Tem bastante evidência as reivindicações do “direito”, esquecendo-se que existem, sobretudo, deveres e limites legais a observar. Assim, ninguém está autorizado a violar o direito alheio, sob pena de se cometer ato ilícito (civil ou criminal) contra terceiro, sujeitando-se a apuração de responsabilidade.
Manipular e compartilhar fotos de terceiros na internet, mesmo que tenham sido publicadas no Facebook, é crime?
O direito constitucional da informação (art. 5º, XXXIII) não pode invadir o direito à imagem, já descrito anteriormente (art. 5º, X). Este também encontra amparo no art. 20 do Código Civil que diz: “…a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
Basta que a publicidade careça de autorização para que a vítima possa pleitear eventual indenização, cabendo à vítima demonstrar o prejuízo suportado. O STJ sumulou (nº 403) que utilização comercial indevida da imagem gera direito à indenização, independente da prova do prejuízo. Desta forma, mesmo que divulgada em redes sociais, pode haver a apuração de responsabilidade para a divulgação indevida de imagem.
Os grupos de WhatsApp fazem sucesso e têm cada vez mais membros. Qual a responsabilidade dos administradores desses grupos sobre as informações que são compartilhadas ali?
Não há lei específica para estas “novidades” virtuais. Por tal motivo, os administradores de grupo de whatsapp ainda recebem o mesmo tratamento previsto para outras figuras similares na legislação comum, como administradores de empresas, por exemplo, que podem responder civil e criminalmente de acordo com o ilícito alegado; apurando-se, a depender do caso, a existência de culpa.
Numa divulgação de foto, por exemplo, o administrador poderá ser responsabilizado criminalmente se ele participou da divulgação. Caso contrário, responderia apenas civilmente, considerando que é dever do mesmo acompanhar as publicações do grupo.
Também é comum a circulação de boatos que, em vez de uma pessoa como alvo em específico, têm o objetivo de gerar pânico na população. Esse tipo de prática também pode ser punida?
Estabelecido na Lei de Contravenções Penais (art. 41), a propagação de falsa de informações que causem tumulto ou perigo inexistente gera pena de 15 dias a seis meses ou multa. Este crime independe do meio utilizado para disseminar o boato. E quem ajuda a divulgá-lo também estará sujeito à mesma penalidade.
Em geral, quais os valores de indenizações por danos morais no Brasil? Todos esses crimes dos quais falamos podem gerar essa reparação financeira?
Todos os crimes podem ter reflexo na esfera patrimonial e, por isso, passíveis de indenização. Não há valores predeterminados para os danos morais e estes variam de acordo com a gravidade do ato praticado e, principalmente, o prejuízo alegado. A maioria das indenizações não ultrapassa a casa dos R$ 10.000,00 – muitas vezes sendo até irrisórias.
Todavia, casos pontuais como a situação enfrentada pela atriz Carolina Ferraz destoam do “padrão”. Condenada a pagar R$ 240 mil a título de dano morais e outros R$ 120 mil pelos danos materiais, uma revista promoveu campanha publicitária sobre o suposto fim do casamento da atriz, utilizando, ainda, a imagem da mesma.
Como avalia a legislação brasileira no que diz respeito à proteção da honra?
Sou um crítico ferrenho da interferência do Poder Público na vida privada dos cidadãos. Nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas têm maior liberdade e podem, por exemplo, na maioria dos estados, andar com sua motocicleta sem capacete (e pagar pelas despesas hospitalares num eventual acidente).
Assim, o cidadão é o único responsável pelos seus atos. Aqui, somos obrigados a votar, utilizar cinto de segurança, ser alfabetizado aos sete anos, e tantas outras obrigações. Nem por isso, a legislação brasileira se mostra tão severa. Ao contrário, em qualquer matéria abordada, a regra é ser sempre frouxa. Possuímos uma infinidade de leis, que não consegue frear a violência.
A base da legislação de crimes contra a honra está num Código Penal de 1940 e poucas leis esparsas recentes, que não acrescentaram muito. É o País onde há lei que “pega” e lei que não “pega”. Isso favorece a impunidade.
O brasileiro perdeu o respeito pelo outro. Acreditamos que tudo é possível e a lei jamais nos alcançará. Percebo que a nossa maior dificuldade está na (falta) da educação, e essa deveria ser transmitida, desde pequeno, em casa. As pessoas se habituaram a empurrar tal obrigação para a escola – livrando-se dos filhos, uma lastimável inversão de valores que reflete na sociedade atual.