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[Nota conjunta sobre o racismo religioso em face da escultura de Mãe Stella de Oxóssi e recomendações à sociedade civil ]

Nota conjunta sobre o racismo religioso em face da escultura de Mãe Stella de Oxóssi e recomendações à sociedade civil

A Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI) e a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Bahia vêm por meio desta nota manifestar repúdio ao ato de vandalismo associado ao racismo religioso perpetrado em face da escultura de Mãe Stella de Oxóssi, ocorrido no dia 04/12/2022, informando, ainda, que o caso se encontra sob acompanhamento destas instituições por meio do Centro de Referência Nelson Mandela/SEPROMI e da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB BA.

O Centro de Referência Nelson Mandela foi instituído pelo Decreto n° 14.297 de 31 de Janeiro de 2013 e possui previsão no Estatuto da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia (Lei nº 13.182/2014) com o objetivo de congregar esforços no planejamento e na execução das políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e proteção dos indivíduos e grupos étnicos atingidos pela discriminação e demais formas de intolerância, além das violações de direitos humanos por motivo de crença, consciência e/ou religião, junto à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia.

A intransigente defesa do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, do exercício da advocacia pelo conjunto diverso de membros que integram a categoria profissional, da laicidade do Estado brasileiro e do direito à liberdade de consciência e de crença justifica a criação da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-BA, lastreia a sua trajetória e dá sentido à sua existência no presente e continuidade.

O fenômeno religioso é parte integrante da vida em qualquer sociedade e a laicidade do Estado brasileiro se afigura na experiência republicana como o caminho de valorização do pluralismo religioso de um povo tão heterogêneo como o nosso. Entretanto, como ataque à própria democracia brasileira, no domingo, dia 04/12/2022, a estátua de Mãe Stella de Oxóssi, obra de arte composta por esculturas do orixá Oxóssi e de Mãe Stella, uma das principais ialorixás do país, que faleceu em 2018, foi incendiada. Registra-se que as esculturas já haviam sofrido depredação anteriormente, em razão de pichação e retirada da placa de identificação. 

Na hipótese de crime de ódio religioso e, ainda que, com base no Direito Penal se investigue a intencionalidade, fato é que a Lei nº 7.716/89 não distingue premeditação e intencionalidade do efetivo resultado danoso derivado da prática, indução ou incitação ao preconceito ou discriminação por motivo de cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional. 

Sendo considerado mais um episódio de racismo religioso ou ódio religioso direcionado aos povos de terreiro, seus espaços sagrados e símbolos. Porquanto espécies do gênero intolerância religiosa e estando o ato de “vandalismo” associado ao crime de ódio racial, não pode aquele ser a tipificação única, tampouco, a principal.

Mãe Stella de Oxóssi faz jus a todas as honras reservadas a uma sacerdotisa de sua grandeza, de acordo com a tradição religiosa que durante tantos anos observou, ensinou e conferiu ampla publicidade, a partir da sua liderança religiosa junto ao Ilê Axé Opô Afonjá, mas, também, enquanto intelectual negra cuja produção literária e acadêmica é reconhecida internacionalmente.

Apenas a partir do esforço interinstitucional e do movimento em Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa construiremos caminhos de suplantação do racismo religioso. A reunião de “todas as vozes contra o racismo e todas as leis contra os racistas” é uma síntese da tradição negra de resistência por todos os meios necessários, dos levantes populares à instrumentalidade jurídica das ações de liberdade oitocentistas, sempre na afirmação de uma sociedade livre, justa e solidária para todas as pessoas.

Nos solidarizamos com a família espiritual do Ilê Axé Opô Afonjá e com todas as comunidades de axé que, via reflexa, foram agredidas por esse crime bárbaro, bem como consignamos nossos respeitos à família do artista Tatti Moreno (in memorian), ao passo em que nos comprometemos enquanto Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia ao acompanhamento das denúncias e investigações por parte das autoridades competentes e à contribuição político-jurídica no que nos couber.

Por se tratar de eventos de ampla repercussão e incontroverso interesse público, registramos algumas recomendações: 

À sociedade civil:

  • Compartilhem massivamente nas redes sociais matérias jornalísticas sobre o caso, notas de repúdio e informações sobre protocolos de denúncia de racismo e intolerância religiosa;

  • Veicule o caso como uma ocorrência de crime de ódio religioso ou de racismo religioso por meio de vandalismo;

  • Pedimos que mantenham distância do local de ocorrência dos crimes para que se evite a contaminação da cena, o que pode comprometer a qualidade da perícia a ser realizada pela polícia técnica e, consequentemente, dificultar a identificação de acusados de autoria;

  • Caso tenha testemunhado o episódio, contribua com as investigações mediante denúncia. Toda informação (verídica) pode ajudar no desenvolvimento das investigações concretamente. Você pode procurar as seguintes instituições: a) a 12ª Delegacia Territorial de Itapuã, presencialmente, onde foi instaurado o procedimento investigatório; a OAB BA, através da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa ([email protected]); o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, da Secretaria de Promoção de Igualdade Racial do Estado da Bahia ([email protected] e [email protected]); a Coordenação Especializada de Repressão aos Crimes de Intolerância e Discriminação (Coercid) ([email protected]); e Ministério Público do Estado da Bahia, presencialmente ou por meio do app Mapa do Racismo e da Intolerância Religiosa, disponível para IOS e android;

  • Caso não tenha testemunhado mas obtenha informações úteis sobre autoria do crime, ou sua materialidade (provas da ocorrência do crime e objetos a ele relacionados), contribua com as investigações mediante denúncia. Utilize os mesmos canais informados no tópico anterior.

As instituições informam já estarem em diálogo com os poderes públicos e terem requerido que, em caráter emergencial, o isolamento da área e a conseguinte perícia técnica sejam realizadas, para que não ocorra o perecimento de vestígios relevantes, ao que foram prontamente atendidas.

Fora confirmada, ainda, a breve retirada da peça danificada para recuperação da Prefeitura Municipal de Salvador e solicitou-se, por fim, a retirada das pichações da base de sustentação da obra e a recolocação da placa de identificação.

Ademais, já se estuda o implemento de ronda por parte da Guarda Municipal de Salvador na localidade de entorno das esculturas incendiadas, fixação de holofotes mais potentes e, também, de câmeras de vigilância para monitoramento remoto, nos termos do quanto proposto pelas instituições.

 

Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela/SEPROMI

Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/BA

 

 

Daniela Lima de Andrade Borges

Presidente da OAB/BA