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Judiciário deve refletir sobre os impactos das decisões


A explicação fiscal e monetária é muito mais plausível, sobretudo quando se constata que o fenômeno inflacionário se encontra diretamente sob o influxo de injunções de índole transnacional, como a recente alta dos preços dos alimentos e das commodities agrícolas.

A Constituição da República, em sua redação original, previa a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional por “Lei Complementar”, inclusive no que concerne à fixação de taxa de juros anuais não superiores a 12% ao ano. Nesse particular caso, a incerteza jurídica, defluente da não edição da legislação intercalar, favoreceu de forma escancarada às financeiras, com o entendimento quase pacífico no sentido da recepção da Lei 4.595, de 1964, com eficácia passiva de lei complementar.

A Emenda Constitucional 40, de 2003, só veio a reforçar a incerteza in bonam partem em favor do sistema, porquanto pulverizou a regulamentação do setor em tantas leis complementares quanto se fizerem necessárias.

É curioso que justamente as maiores beneficiárias da incerteza jurídica venham arrogar a condição de vítimas de um sistema judiciário perverso, sistema judiciário que, com entendimentos já consolidados pela jurisprudência da Suprema Corte, sempre lhes foi francamente benéfico (vide a inconstitucionalidade do Finsocial sobre as empresas exclusivamente prestadoras de serviços ou o sufrágio judicial das taxas de juros extorsivas).
Nos Estados Unidos da América, país comumente utilizado como paradigma de segurança jurídica, a recente crise gerada pela dívida hipotecária sub-prime não impediu que a higidez econômica de gigantes do setor não ficasse seriamente afetada. O socorro estatal somente veio a posteriori, diversamente do que ocorre no Brasil, que estimula, com um comportamento paternalista a priori, a sinecura financeira.

Confiram-se os dados do Brasil das “incertezas jurídicas”: no primeiro trimestre, o Banco do Brasil registrou um lucro líquido de R$ 2,347 bilhões (crescimento de 66,6% em relação ao registrado no mesmo período de 2007 e, na comparação com o quarto trimestre do ano passado, a expansão foi de 92,9%). O lucro do Banco Itaú cresceu 7,4% no primeiro trimestre deste ano e o do Banco Bradesco 23,3%, atingindo R$ 2,1 bilhões no período.

Segundo o “Perfil das Maiores Demandas Judiciais no TJERJ” (2004), as ações movidas em face de instituições financeiras no Tribunal fluminense representam 41% do total de demandas ajuizadas nos Juizados Especiais Cíveis.

Na grande maioria dos casos, tais demandas configuram interessante método de prorrogação do pagamento de passivos, cediço que os juros praticados pelo Judiciário são substancialmente inferiores aos perpetrados pelas instituições financeiras, o que faz do Judiciário, antes de vilão, um involuntário parceiro no recrudescimento de receitas financeiras.

6. Incerteza jurídica: morosidade

É justamente neste ponto que deve ser apreciada a questão da morosidade da justiça brasileira como fator determinante de incerteza jurídica.

Se substanciais parcelas das demandas ajuizadas congregam no pólo passivo instituições financeiras, concessionárias de serviços públicos de telefonia e outras concessionárias, que se servem da alegada morosidade como meio de postergação de pagamento de passivos, a premissa da morosidade já se torna de duvidosa legitimidade e tangencia a petição de princípio.

De outra parte, se a morosidade judicial é um dado certo, parece-nos que também há na premissa uma irremissível contraditio in adjeto, pois que a alegada tardança na prestação jurisdicional já é um dado de antemão sabido da parte, que decerto aprovisionará a contingência em suas demonstrações financeiras e valer-se-á de todos os mecanismos para utilizar a disponibilidade de molde a gerar rendimentos atuais que superem os reveses judiciais futuros (partindo-se da incerta premissa de que sairão vencidas).

Renova-se, aqui, a pergunta proposta no título deste artigo: morosidade judicial: cui prodest?

Procura-se tributar a morosidade à má qualidade da legislação processual.

A nosso ver, a legislação processual civil brasileira já era, mesmo antes das recentes reformas implementadas a partir de 1995, uma das mais refinadas do mundo e capaz de assegurar a contento o direito da parte contra os males do tempo do processo.

A morosidade não é um instituto da técnica, mas do mundo de relação que tem a ver com fatores sociológicos e, mais recentemente, como visto, de índole financeira.

Sociologicamente, explica-se a morosidade pela formação ibérica do povo brasileiro, que recebe com suspeita todo ato que não conte, de alguma forma, com o sufrágio estatal. Confia-se mais no terceiro imparcial do que na contraparte que, assim como o interessado, conhece a fundo a raiz do negócio comum. Avulta a cultura do carimbo, da “cartorização”, da jurisdição graciosa como meio de oficialização de atos particulares absolutamente inanes à ordem jurídica justa.

O Poder Judiciário deixou de ser a ultima ratio. Ao invés, é o primeiro passo na resolução de conflitos de interesses que vão desde o pequeno entrevero entre vizinhos até as grandes demandas societárias.

Esta peculiar característica da formação da personalidade do homem brasileiro, tomada de empréstimo do homem ibérico por sua gênese, amesquinha as tentativas mais bem intencionadas de reduzir o passivo judicial, como, verbi gratia, as medidas paraestatais de solução de conflitos (mediação, arbitragem e quejandos) que não encontraram no solo brasileiro terreno virente, justamente pela carência do elemento judicial a lhe conferir a chancela estatal (absolutamente desnecessária nos povos de tradição oriental ou anglo-saxã).

Não se pode olvidar, outrossim, da busca da tutela judicial (também haurida em fontes adventícias mais recentes) que agasalhe a expectativa de potencial ganho fácil pela percepção de “danos morais”, confirmando o que Sérgio Buarque de Hollanda, em Raízes do Brasil, já identificava, na década de 30 do século passado, como um viés ibero-lusitano.

O Judiciário brasileiro vem dando tratamento adequado ao tema, ao balizar suas decisões pela tríplice vertente pedagógica, punitiva e retributiva.

7. Conclusão

Como se pretendeu demonstrar, o impacto sócio-econômico das decisões judiciais é assunto que merece aprofundamento e que deve ser enfrentado com a transparência e a coragem necessárias para dissipar as cortinas de fumaça que, vez por outra, procuram obnubilar o debate.

O fato é que a Justiça brasileira encontra-se atulhada de processos e vem procurando otimizar seus sistemas por meio de administrações gerenciais que possam desafogar os gargalos.

Toda tentativa será malograda, entretanto, se a alternativa judicial não for encarada como a última saída para a solução de conflitos intersubjetivos facilmente passíveis de resolução na via da autocomposição, sem que, com isso, se arranhe o cânone da inafastabilidade do controle jurisdicional.

Sem prejuízo de outras soluções, entendemos que a litigância de má-fé deve ser enfaticamente coarctada.

Demais, e de lege ferenda, entendemos que ao vencido em uma demanda judicial já não mais satisfaz a simples condenação nos ônus de sucumbência como única “sanção” pelo descumprimento de um preceito, o que só vem acoroçoando a violação do direito como solução financeiramente rentável.

Para além, parece-nos curial que se imponha aos litigantes habituais (inclusive ao Poder Público) outras espécies de reprimenda, que induzam à observância do direito ou à resolução amigável da lide quando isso não se revelar possível, corrigindo, assim, um mau vezo essencialmente brasileiro, que deita raízes na própria formação de nosso povo.